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Faroé: o cruzeiro às falésias de Vestmanna

O fiorde Kaldbaksfjørdur 
 
          O cruzeiro às falésias de Vestmanna é aquele tipo de atração que todo turista que visita as Ilhas Faroé (mesmo que por um período curto de tempo) inclui no seu roteiro. Ponto de partida do cruzeiro, a cidade de Vestmanna fica em Streymoy, a mesma ilha da capital Tórshavn, a 40 quilômetros de distância. As paisagens lindas do estreito cercado por montanhas, aliadas ao avistamento de pássaros no alto dos rochedos, são um chamariz poderoso.

As localidades na Ilha de Streymoy mencionadas neste post

          Este foi o primeiro dos tours que fiz com a Tora Tourist num sábado à tarde, dia seguinte à minha chegada, mas não há qualquer necessidade de agendar um tour para quem quer conhecer os rochedos e não tem condução própria. O ônibus 100 liga Tórshavn a Vestmanna várias vezes ao dia e duas companhias diferentes fazem o cruzeiro de duas horas de duração. Tanto o escritório de turismo de Tórshavn quanto o de Vestmanna podem fornecer horários e demais informações.

A ponta sul da ilha de Vágar vista da estrada para o Sornfelli

          O tour que fiz teve a vantagem de conhecer outras atrações além das falésias, além de parar nos pontos das estradas onde o cenário arrebatador merecia que tirássemos uma foto. Uma surpresa durante a semana em que fiz os tours foi encontrar outros brasileiros na van - dois de São Paulo e um do Mato Grosso do Sul. O próprio guia Sámal achou espantoso contar com tantos brasileiros num passeio; afinal, nossos conterrâneos ainda são escassos por aquelas bandas, situação que está começando a se alterar.

A ilha de Koltur. À esquerda mais ao longe outra ilha, Hestur, famosa pelos concertos marítimos dentro de uma caverna

            O tempo se apresentou nublado com sol ocasional. A primeira parte do passeio explorou uma das duas únicas estradas que saem de Tórshavn, a Oyggjarvegur ("Caminho das Ilhas"), que envereda pelos morros enquanto a estrada nova corta caminho por túneis, mais próxima do nível do mar. A primeira parada, com uma vista da Ilha de Koltur, se repetiu em todos os tours seguintes de que participei e havia gente fazendo piada - "De novo!!!", cochichavam. Essa ilha tem uma história interessante; havia quatro fazendas estabelecidas, mas com o passar do tempo os fazendeiros foram abandonando a ilha, atraídos pela vida urbana e cansados das condições extremas no inverno faroês, quando sopram os ventos intensos durante tempestades frequentes e ondas enormes varrem as pastagens. A ilha acabou totalmente deserta, até a vinda de um casal heroico na década de 90, que se estabeleceu criando ovelhas e gado, tornando a ilha novamente habitada - até hoje são seus únicos moradores. Por sinal, o mar forte aparece até na denominação da ilha onde nos encontrávamos, Streymoy - o nome da maior e principal ilha do arquipélago significa "ilha das correntes marítimas". Por sinal, palavra bem semelhante à inglesa stream.

              Um desvio na estrada nos levou até os pés de uma antiga estação de radar dinamarquesa, com mais paradas para apreciar a paisagem de babar, especialmente da ilha de Vágar, a ilha do aeroporto, do outro lado do estreito. A estação de radar era utilizada pela Otan até alguns anos atrás. O monte onde está localizada, o Sornfelli, com 749 metros de altitude, é um dos pontos mais altos da ilha de Streymoy. Bem perto dele fica o monte Skælingsfjall. Na madrugada em que acontece o solstício de verão (o dia mais longo do ano, 21 de junho, quatro dias após minha saída de Faroé), é costume entre os faroeses, que não perdem uma oportunidade de festejar algo, subir ao topo para apreciar o pôr do sol no lado ocidental seguido do seu nascer no outro lado três horas depois. Com a vista que vimos numa tarde comum, deve ser um espetáculo fascinante.

Poderia ser um hotel, mas é a casa que abriga a detenção faroesa

                  A estrada velha de saída de Tórshavn passa ainda por uma construção simpática com teto de turfa junto à vista do fiorde de Kaldbaksfjørdur, que quase divide a ilha em duas.  Jamais adivinharíamos sua finalidade se não fosse a informação do guia: é a casa de detenção do país. Aqui ficam detidas pessoas que cometeram delitos leves (leia-se infrações como dirigir embriagado), enquanto nas raríssimas ocasiões em que há algum crime mais grave o preso é devidamente deportado para cumprir sua pena na Dinamarca. A capacidade prisional é espantosa: doze pessoas. Quem me dera viver num lugar com esse nível de violência...

Kvívík vista da estrada para Vestmanna

                  Finalmente voltamos ao nível do mar, já perto de Vestmanna, para dar uma parada rápida em Kvívík (a pronúncia é curiosa: qüíuik), um porto com ruínas de uma casa e um estábulo vikings junto ao mar. A vila com 365 habitantes, um dos assentamentos mais antigos das Faroés, é bem bonita, situada numa baía com cenário como de hábito deslumbrante, mas essas ruínas foram uma decepção - quase não dá para identificar que aquilo algum dia foi uma habitação há mais de um milênio; estima-se que foram erguidas no século X. Muitos artefatos vikings, de ferramentas a brinquedos, foram retirados do local quando este foi descoberto durante escavações em 1942, e se encontram expostos no Museu Nacional em Tórshavn.

Kvívik, com as ruínas vikings em primeiro plano na foto 

            Foi em Kvívík que em 1855 aconteceu um fato marcante: pela primeira vez na história um pastor fez um sermão em faroês ao invés do dinamarquês habitual, causando um alvoroço total na comunidade local. Nessa época o faroês era uma língua bastante discriminada pelo governo dinamarquês.

A igreja de Kvívík à beira do rio Stórá

       Alcançamos finalmente Vestmanna, a segunda cidade em população na ilha, com 1.225 habitantes e uma das raras localidades que possui uma infraestrutura de serviços mais abrangente, com banco, supermercado e posto de gasolina. A economia de Vestmanna gira em torno da indústria pesqueira, como a maioria do país. Até 2002 a cidade era passagem obrigatória para o aeroporto, pois de lá saíam as balsas para a ilha de Vágar; nesse ano foi inaugurado o túnel submarino e a importância de Vestmanna decaiu consideravelmente. O nome da cidade dá pistas sobre os primeiros homens a se estabelecerem nas Ilhas Faroé, pois sua tradução é "Homem do Oeste", numa referência aos monges irlandeses que teriam habitado Streymoy no século VIII.

Parte do porto de Vestmanna, com a usina de força e o aqueduto à direita

          Ao chegar a Vestmanna um prédio em amarelo chama a atenção logo de cara. É a usina de força elétrica, alimentada por um aqueduto que desce as encostas íngremes das montanhas onde a água é captada de quatro reservatórios. Alimentando as ilhas mais populosas do arquipélago, foi uma das primeiras usinas construídas no país, com produção de 6,3 MW. Parte considerável da energia produzida em terras faroesas é hidroelétrica - 40% , aproveitando o enorme potencial fornecido pela geografia acidentada do arquipélago e a chuva abundante.

          Vestmanna é sede do Museu da Saga, localizado no escritório de turismo. É um museu de cera que retrata por dioramas cenas (muitas violentas devido aos hábitos vikings) da história faroesa através dos séculos. Ideal para quem chega ou sai por transporte público da cidade e tem que passar o tempo. Pelo tema fiquei bastante interessado em conhecer o museu, ainda mais tendo visitado o museu homônimo em Reykjavik, mas estando num tour corrido foi impossível. Uma pena.

O barco singra o Estreito de Vestmanna rumo às falésias

         O barco saiu de Vestmanna cheio (afinal era um sábado à tarde) e iniciou o percurso pelo estreito em direção às falésias no norte. Esta é a costa oeste da ilha, que dá direto para o Atlântico e está sujeita a tempestades muito fortes. É sempre bom levar um agasalho mais pesado, pois mesmo com tempo bom a situação pode mudar de repente e venta muito na área. Esta região das Ilhas Faroé é praticamente intocada pelo homem. Na área do estreito, não se veem muitos pássaros, mas quando  avistamos o mar aberto na boca do estreito, dezenas de aves  passam a aparecer voando no alto dos penhascos. Pássaros como fulmares e tordas-mergulheiras fazem seus ninhos no verão nas falésias e migram para paragens mais quentes como a costa de Portugal no inverno. Como a altura dos rochedos de basalto e granito é muito grande, só levando um binóculo para apreciar os pássaros com um detalhe maior. Dizem que eventualmente se pode observar até puffins, mas não avistei nada que se parecesse com eles, saí de Faroé sem ter visto estas aves de bico multicolorido.

As falésias de Vestmanna. Reparem nas ovelhas na encosta da direita.

         A área é repleta de pequenas reentrâncias, com o barco passando raspando entre as paredes de pedra. O colega paulista que tinha feito este tour dois dias antes me relatou posteriormente ter ficado impressionado com a perícia do piloto do barco, que navegou tranquilamente no espaço apertado entre os rochedos num dia de nevoeiro total. Realmente o tempo colaborou naquele sábado, muito do visual maravilhoso do lugar se esvai num dia de tempo ruim. E concordo com os guias de viagem, é um espetáculo bonito e o passeio é imperdível para quem visita Faroé.

O barco passa apertado entre as rochas da falésia

           No próximo post, a tranquila e bonita ilha de Sandoy.

P.S: Se quiser conferir o cenário do estreito de Vestmanna sob um outro ângulo, inacreditavelmente belo, acesse este outro post do blog.

⏩➧ Este é o segundo post da série sobre Faroé. Para visualizar os demais, acesse  Ilhas Faroé, um paraíso nórdico inexplorado.


 Postado por  Marcelo Schor  em 30.08.2016 

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