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Faroé: a ilha de Sandoy


A paisagem idílica enfeitada pelos malmequeres-do-brejo na vila de Dalur em Sandoy

         Sandoy faz parte das cinco ilhas do sul no arquipélago de Faroé, sendo a que está mais próxima à capital Tórshavn. Essas ilhas têm uma peculiaridade: não estão ligadas por rodovia às ilhas centrais, o que as torna um tanto mais rurais e isoladas. Para alcançá-las, só por ferry ou por helicóptero. Um diferencial são as praias de areia, algumas com dunas, que batizaram a ilha (o nome significa "Ilha da Areia").

         Sandoy originalmente não fazia parte dos meus planos de visita, mas era a única excursão  oferecida no domingo, incluindo ainda um dos locais mais visitados do país, a vila histórica de Kirkjubøur. Domingo é aquele dia peculiar em que o transporte público evapora. Diante das poucas alternativas, agendei o tour e tive uma surpresa muito agradável - a ilha possui recantos lindos! Para coroar, o tempo feio da manhã deu lugar ao sol após o almoço.

Localidades visitadas durante o tour em Sandoy

            Sandoy tem um relevo menos acidentado que suas vizinhas do norte, com os morros bem mais baixos, mas mesmo assim não se pode chamá-la de plana. A ilha atrai muitos caminhantes. A terra é mais fértil, com algumas plantações de batata, um dos acompanhamentos mais constantes no cardápio faroês. Sandoy é esparsamente habitada, sua população total não passa de 1.400 habitantes. Praticamente não vi pessoas circulando pelas vilas, cena que se repetiria nos dias seguintes nas demais ilhas. 

A igreja de Sandur com seu teto de turfa

             Mas onde não se vê gente, sobram ovelhas. Os ovinos são a principal pecuária do país, e existem 80.000 ovelhas em todo o  arquipélago, quase o dobro da população humana. Elas estão em todo lugar, mas não se agrupam em rebanhos, talvez devido à ausência de predadores. Não espere encontrar muitas ovelhas brancas, a maioria tem cor marrom, cinza ou preta. Com tanta ovelha, a indústria de lã é próspera e um suéter de lã faroesa é uma das compras favoritas dos turistas que visitam o país. As ovelhas causam problemas no tráfego, ainda mais que elas podem ser um pouco teimosas em sair da frente do seu veículo. O vídeo de instruções para se dirigir em Faroé tem um trecho que orienta o que fazer se você der o azar de atingir uma ovelha na estrada - pare o carro imediatamente e chame a polícia; provavelmente você terá que indenizar o fazendeiro responsável. Os ovinos se fazem presentes até no nome do país: a designação em faroês, Føroyar, significa "Ilhas das Ovelhas" em idioma antigo. 

A vila de Sandur emoldurada pelas ilhas de Skúgvoy, Stóra Dímun e Lítla Dimun

            Sandoy está ligada ao folclore faroês com muitas histórias de trolls, bruxas e outros seres fantásticos que teriam habitado a ilha. O alto número de naufrágios que ocorreram em suas costas também contribuiu para alimentar histórias.

A bela baía de Soltuvík, onde em 1895 ocorreu o naufrágio mais conhecido em águas faroesas

            Por incrível que pareça, conhecemos todas as vilas da ilha - seis! Todas na costa, com as casas em meio ao gramado que cobre toda a superfície de Sandoy, nesta época enfeitado pelo amarelo do malmequer-do-brejo (em inglês marsh marigold), a flor nacional de Faroé. Em poucas semanas os malmequeres murchariam, empobrecendo o colorido da paisagem.

Nosso guia explica a história da igreja de Skopun, sob o indefectível barquinho pendurado no teto

         Em comum, as vilas tinham sua igreja ocupando uma posição de destaque, além de contarem também com uma escola. Entramos em algumas igrejas, muitas delas com paredes de madeira em tons claros e tetos que lembram cascos de navios invertidos. A maioria continha modelos de barcos dependurados do teto. Estes modelos, conhecidos como barcos votivos, são muito comuns nos templos escandinavos, doados por marinheiros ou donos de estaleiros. À medida que visitávamos as igrejas, ficávamos impressionados como todas estavam muito bem cuidadas. O guia Sámal nos esclareceu que 85% da população faroesa pertence ao credo luterano e há uma taxa de 0,6% debitada para a manutenção das igrejas, ligadas ao estado. Quem professa outra religião pode declinar do pagamento.

A pretensa maior caixa de correio do mundo em Skopun 

           Nosso dia inteiro de excursão começou com a van deixando Tórshavn e se dirigindo ao porto de Gamlarætt, onde embarcamos no ferry para travessia do mar em meia hora. O ferry aportou em Skopun, a vila menos interessante de Sandoy. Para se ter uma ideia, sua atração principal é uma caixa de correio enorme, azul como as demais no país, que alguém construiu para  fazer parte do Livro Guinness como a maior do mundo.

        As vilas seguintes, muito mais pitorescas, desfilariam ao longo do dia diante de nossos olhos, com suas casinhas revestidas de madeira:
  • Sandur, a vila cuja praia deu nome à ilha e que tem o maior número de habitantes (530!). Sua  igreja com teto de turfa foi construída num terreno que já abrigou mais cinco templos desde os tempos vikings do século X. Nos arredores de Sandur há uma pedra intrigante de quatro metros de altura à beira do mar, totalmente coberta por um bordado tecido pelas mulheres locais.  O bordado tem como tema a lenda de uma bruxa cega que habitava o local e se deixou ludibriar por um vigarista, que lhe roubou um cajado dourado.
A pedra da bruxa nos arredores de Sandur
  • Skálavík, onde almoçamos em esquema de bufê incluído no tour, em um hotel moderno que até centro de convenções tem, algo surpreendente para uma ilha razoavelmente isolada sem muito fluxo turístico. Soubemos então que a construção foi presente à cidade de um milionário que morreu em 2010 e não tendo herdeiros, resolveu deixar algumas obras para a posteridade.
Mais um panorama de Dalur
  • Dalur, que além de na minha opinião ser a vila mais bela da ilha, ainda é famosa devido a seus habitantes, considerados ótimos cantores e realizadores da chain dance, a dança típica do país executada em grupo pelos moradores em algumas noites - entro em detalhes maiores sobre a dança no post sobre Tórshavn.
Húsavík vista da estrada de acesso
  • Húsavík, outra vila bonita (não confundir com a cidade homônima na Islândia), que possui algumas casas de pedra construídas há duzentos anos junto ao mar com telhado de turfa e sem janelas. As casas chamam a atenção pela aparência antiga e tinham a finalidade de armazenar carne e peixe trazido pelos pescadores. Outra atração no centro da vila são as ruínas da fazenda onde viveu no século XIV uma norueguesa conhecida como a Dama de Húsavík. que era dona de muitas terras na região. Segundo a lenda (mais uma...), a mulher ganhou sua fortuna vendendo ao rei um chifre de ouro perdido com cuja localização ela teria sonhado. A tal Dama tinha ainda mão de ferro - ela teria enterrado vivos dois de seus servos após flagrá-los cometendo pequenas infrações.
Uma das construções de Húsavík onde era armazenado peixe

             A última vila, Skarvanes, um cenário de cartão postal com suas poucas casas diante das ilhas longínquas de Stóra Dímun e Lítla Dímun, não só parecia uma vila fantasma pela ausência de gente como efetivamente o foi durante algum tempo. O êxodo rural foi esvaziando a vila até que não sobrou mais nenhum morador fixo. Hoje porém a situação se reverteu e há dez pessoas vivendo permanentemente em Skarvanes, com as demais casas servindo como residência de verão.
           
Companheiros do tour passeiam pela única rua de Skarvanes

               No meio da tarde, pegamos o ferry de volta à ilha de Streymoy para conhecer um dos pontos turísticos mais afamados de Faroé, Kirkjubøur. Mas este já é um assunto para o próximo post.


⏩➧ Este é o terceiro post da série sobre Faroé. Para visualizar os demais, acesse  Ilhas Faroé, um paraíso nórdico inexplorado.

 Postado por  Marcelo Schor  em 09.09.2016 

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