Cascata em Gásadalur |
Gásadalur foi a vila de Vágar, nas Ilhas Faroé, cuja cascata mostrada numa foto me fez encantar pelo arquipélago antes mesmo de viajar.
Vágar é a ilha onde fica o único aeroporto de Faroé (por sinal, seu nome tem uma pronúncia bem apropriada ao fato para os falantes do português: vôar), e talvez por isso muitos viajantes não costumem prestar muita atenção a ela, relegando-a aos traslados de entrada e saída do país. Estão cometendo um grande pecado, Vágar apresenta algumas das mais belas paisagens que já vi, incluindo duas das imagens mais associadas a Faroé: a cascata que cai do precipício no mar em Gásadalur e o lago Leitisvatn, que também termina numa cascata direto no oceano. Curioso é o formato de Vágar no mapa, que lembra muito a cabeça de um cão voltada para oeste, havendo até um lago que faz o papel de olho do animal.
As localidades em Vágar mencionadas no post; o túnel submarino está indicado com o "11" em amarelo |
O tour a Vágar:
O quinto e último dia inteiro da minha estadia nas Ilhas Faroé acabou sendo o mais ensolarado e recompensador. O tour contratado tinha uma duração curta, somente pela manhã, e logo atravessamos o outro túnel submarino do arquipélago, que liga a ilha de Streymoy a Vágar. Este túnel foi construído em 2002; antes quem chegava no aeroporto tinha que encarar um barco para alcançar a capital Tórshavn, num traslado de duas horas. Bem cansativo.Este era o tour que eu estava mais ansioso para realizar. Na realidade, quase não pude fazer a excursão, oferecida às quartas-feiras, dia em que estava marcado meu voo de saída. Foi só após já ter adquirido as passagens que me deparei na internet com a foto da cascata em Gásadalur e fiquei alucinado com a beleza do local. Baixou então em mim a febre do "não posso sair de Faroé sem conhecer esse lugar". Adiei em um dia o voo para Bergen para poder realizar o tour, pagando uma taxa adicional de cerca de 30 dólares à Atlantic Airways pela remarcação.
Estreito entre as ilhas de Vágar e Streymoy, pouco após a saída do túnel submarino. Ao fundo, as falésias de Vestmanna. |
Vágar é uma ilha de poucas vilas, todas praticamente em sequência na mesma estrada. Três delas são maiores, com população em torno de mil habitantes cada, e estão situadas mais perto de Tórshavn. Você deve ter notado que o nome da ilha não termina em "oy" como as demais, e a razão é que Vágar significa "angras", uma referência às baías que banham as vilas maiores.
Fizemos uma parada rápida em Sandavágur ("baía da areia", mas a praia é bem pequena), a primeira das vilas, conhecida por sua igreja de teto vermelho, que me lembrou a Igreja do Relógio da cidade gaúcha de Gramado. Das dezenas de templos que vi em Faroé, este é forte concorrente ao posto de mais bonito. A igreja foi construída em 1917 e neste mesmo ano foi achada uma runa da época viking num campo das redondezas. Por pouco a pedra não foi destruída pelo fazendeiro, mas acabou no acervo da igreja, onde se encontra exposta num canto até hoje.
Sandavágur e sua igreja de madeira |
Sandavágur, escolhida por três vezes a vila faroesa mais bem cuidada (sim, existe essa eleição), ainda abrigou a fazenda que por mais de 200 anos serviu de residência para o løgmaður, como é chamado o chefe do parlamento. Não entendi muito bem como a casa do governante poderia ficar a horas de distância de Tórshavn, sede do Parlamento, mas enfim... Sua importância é ainda maior para a história do país, pois aqui também residiu o escritor que reinventou a língua escrita faroesa no século XIX - ele era filho do último løgmaður que presidiu o Parlamento antes de este ser extinto em 1816.
Atravessamos a segunda vila, Miðvágur, praticamente colada a Sandavágur e que foi o ponto de partida da trilha que eu fiz à tarde. Em seguida, passamos pelo aeroporto com uma parada para que os turistas pudessem usar o banheiro do prédio completamente deserto àquela hora. O aeroporto foi construído numa das raras áreas planas do arquipélago durante a Segunda Guerra Mundial como base militar pelos britânicos, que ocuparam Faroé quando a Dinamarca foi invadida pelos nazistas. Durante a ocupação até a mão inglesa chegou a ser adotada na ilha e seus habitantes só podiam transitar mediante a apresentação de um passe. Até há pouco tempo aterrissar no aeroporto era temerário devido aos ventos e à sua pista reduzida de 1.250 metros. Em 2011 a pista foi estendida para 1.800 metros e os pilotos - e passageiros - puderam respirar mais aliviados. Quem ocupa lugar na janela (no lado esquerdo, eu estava no lado direito sobre a asa, para piorar) pode se deliciar com a vista aérea de Mykines e da costa rochosa quando o avião se aproxima do aeroporto.
A ilha de Mykines vista de Gásadalur |
Além de sediar o aeroporto, o único interesse turístico da terceira das vilas maiores, Sørvagur, é ser o porto de onde sai o barco para Mykines (lê-se mítchines), conhecida como a ilha mais enigmática do arquipélago. O que há para se fazer em Mykines? Após o desembarque na vila de mesmo nome, se galga uma trilha que leva a uma ponte suspensa a 35 metros sobre o mar que une Mykines a uma ilhota, Mykineshólmur, onde existe um farol com vista maravilhosa. No caminho se passa por colônias de puffins que constroem seus ninhos nas cavernas locais. Eles estão lá às dezenas durante os meses de verão e fazem a festa dos fotógrafos, que conseguem clicá-los bem de perto.
Afinal, diante deste panorama paradisíaco, por que motivo acabei não visitando Mykines? Em primeiro lugar, os dois únicos meios de acesso são o barco e o helicóptero, e frequentemente os serviços são suspensos durante um tempo mais inclemente (diante das mudanças climáticas habituais ao longo do dia, sempre é bom consultar a previsão do tempo antes de sair, para evitar ficar preso por horas ou até dias em Mykines). Como reservei os tours com meses de antecedência, seria furada comprar um para fazer a caminhada num dia chuvoso. Segundo, a trilha de quatro quilômetros está classificada como moderada com trechos íngremes; como estava sozinho tive receio de percorrê-la - inclusive o folheto oficial que lista as trilhas desaconselha com veemência enfrentar trilhas em montanhas sem alguma companhia.
Para quem decide ir a Mykines pelo barco, não há a mínima necessidade de entrar num tour, o ônibus 300 tem o ponto final no porto de Sørvagur e os horários de ônibus e barco são sincronizados - só é bom reservar o lugar no barco pelo escritório de turismo. Para turistas que permanecerão na ilha somente até a tarde, o barco sai nos meses de verão às 10h20min, retornando às 17h05min para Sørvagur. A viagem cênica pelo mar demora 45 minutos.
Tindhólmur |
No exterior Mykines é um chamariz muito mais forte que as vilas que eu visitaria a seguir. O resultado foi que, com exceção de mim, todos os outros oito integrantes do tour desceram em Sørvagur para navegar até Mykines (a van voltaria no fim da tarde para pegá-los). Com isto, passei praticamente a ter um tour particular para mim, ditando a duração da estadia em cada uma das duas vilas mais bonitas de Vágar. Logo depois, o guia Sámal me confidenciaria que o tour para Bøur e Gásadalur começou a ser oferecido naquele mês e que na realidade eu era o primeiro excursionista a fazê-lo - bem que podia ter tido um desconto comemorativo, não?
Tomamos então a estrada estreita que margeia o fiorde a partir de Sørvágur. O cenário é indescritível, com as ilhas de Mykines e Tindhólmur no horizonte. Esta ilhota por sinal tem uma aparência um tanto dantesca graças aos seus cinco picos que parecem dentes de uma serra e à sua encosta muito inclinada. A cada ângulo a ilha parecia ter um formato diferente. Surpreendente é saber que Tindhólmur com seu relevo superacidentado já foi habitada um dia.
A pequena Bøur junto ao fiorde de Sørvagsfjørdur |
Bøur:
Depois de quatro quilômetros chegamos a Bøur. Esta vila idílica de cinquenta habitantes data da Idade Média e está encravada entre as montanhas e a praia no fiorde. Em meio às casas típicas de madeira com teto de grama se destaca a igreja de cúpula branca, erigida em 1865 junto a um riacho com uma cascata pequena; pena que a ausência de chuvas reduziu a cascata a um filete d'água. Como nas outras localidades que tinha visitado nos dias anteriores, não havia morador à vista. Ao se caminhar pela única rua de Bøur o que chama mesmo a atenção é a paisagem do mar com as ilhotas ao fundo.Igreja em Bøur |
A cascata em Bøur |
Bøur está associada a uma história curiosa. Todas as terras ao seu redor teriam sido herdadas por dois irmãos, Eirik e Simun. Os dois se desentenderam em torno da herança e, tal qual um Caim faroês, Eirik decapitou Simun com um machado. Em seguida Eirik viajou a Kirkjubøur para ser perdoado pelo poderoso bispo em troca do pagamento de taxas e da cessão de um boi por ano ao bispado. Porém ao voltar de barco a Bøur, uma rocha teria emergido do mar e virado o barco, afogando Eirik. Com efeito, um recife entre Tindhólmur e a costa tem o nome de Eiriksboði ("Rochedo de Eirik"). Lenda ou verdade, o que de fato se sabe é que as terras que cercam Bøur pertenceram ao Rei, sendo hoje propriedade do governo.
Tindhólmur vista de Bøur |
Gásadalur:
Mas a grande atração da excursão era mesmo Gásadalur, ponto final da estrada, com ainda menos moradores: dezoito. Esta vila, situada no alto de um penhasco que termina abruptamente sobre a água, permaneceu por séculos praticamente isolada. num vale totalmente cercado pelo mar e pelas duas montanhas mais altas de Vágar, com mais de 700 metros de altura. Seu único acesso era uma trilha a ligando a Bøur. O caminho era utilizado semanalmente pelo carteiro e beira o precipício, subindo a 400 metros de altura. Para se ter uma ideia, a trilha hoje pode ser percorrida por caminhantes e está classificada como difícil, requerendo cuidado. O isolamento só terminou mesmo com a construção de um túnel em 2004, permitindo que a estrada chegasse à vila e retirando de Gásadalur o triste título de única vila faroesa não acessível por carro (se bem que o lugar continua desprovido de transporte coletivo). Atenção, apesar de construído recentemente, o túnel é daqueles típicos de Faroé, com largura para somente um veículo em seus 1.450 metros de extensão; porém atravessá-lo é bem menos estressante que nos seus congêneres das ilhas do Norte, já que o tráfego tende a zero e o túnel é iluminado.As casas de Gásadalur |
Sorte dos turistas, que puderam passar a apreciar de perto o cenário magnífico onde Gásadalur está assentada. A vila em si é bem graciosa e faz jus ao nome (a tradução é "Vale dos Gansos") - havia gansos e galinhas, que ciscavam pelos quintais dando um aspecto bem rural. Espantoso foi encontrar atividade humana nas ruas - alguns operários estavam preparando um terreno para a construção de uma casa. Parece que, com o fim do isolamento, a vila finalmente está saindo da letargia e incrementará o número de habitantes. A própria criação de um tour para conhecer Gásadalur também deverá dar sua contribuição.
Gásadalur com os picos de Tindhólmur ao fundo |
Mas a grande atração do lugar não é a vila em si, mas sim a visão da cachoeira de Múlafossur, que despenca dos campos ao lado de Gásadalur direto no oceano. Para chegar até lá, seguimos um caminho que sai da estrada perto da entrada da vila e que acaba num portão fechado junto à escadaria que desce ao mar. Esta escada foi construída pelos ingleses na Segunda Guerra Mundial e aparece na foto que abre o post. A vista lá de baixo ao nível do mar deve ser também privilegiada, mas a escadaria estava interditada, aparentando estar em péssimo estado. Para obtermos o melhor ângulo, abrimos a porteira e caminhamos alguns metros pelo gramado (nada como estar com um guia, sozinho eu jamais teria coragem de abrir um portão trancado). A vista é de uma beleza inacreditável, enquadrando a cachoeira, o mar com tonalidades de azul diferenciadas, o penhasco, a vila, os campos e a montanha por trás. Sem dúvida o cenário mais arrebatador de toda a visita a Faroé, o que não é pouca coisa, já que todas as ilhas são pródigas em panoramas de tirar o chapéu.
A cascata de Múlafossur caindo nas águas do Oceano Atlântico |
No próximo post, as maravilhas de Vágar continuam com a trilha que fiz à tarde pelo lago Leitisvatn, além do relato de como me vi frente a frente com uma das personalidades mais importantes de toda a Europa.
⏩➧ Este é o oitavo post da série sobre Faroé. Para visualizar os demais, acesse Ilhas Faroé, um paraíso nórdico inexplorado.
Postado por Marcelo Schor em 06.11.2016
Parabéns pela série de blogs! Achei este seu, pesquisando sobre as Ilhas Faroe. Vi um pacote de 7 noites lá por 5,000 dólares, fora aéreo e achei um pouco caro. Você acha que dá pra ir por conta própria? Conhece alguma outra empresa que ofereça o destino? A ideia seria ir em Agosto. Um abraço e obrigado!
ResponderExcluirOlá, Pavlos. Como agosto é alta temporada, é perfeitamente possível passear por Faroé por conta própria. Foi o que fiz em junho baseado em Tórshavn, utilizando tours de um dia ou transporte público. Maiores informações e dicas estão no último post da série - http://www.albumdeviagens.com/2016/11/dicas-para-viajar-as-ilhas-faroe.html. E estando lá, o escritório de turismo da cidade é ótimo para fornecer informações e agendar passeios.
Excluirabç.
Estou agora em Faroe. Lugar fantástico. E surpreendentemente barato, para os padrões escandinavos. É muito mais barato que a Islândia ou a Noruega. O custo de aluguel de uma casa, de um carro e o custo do supermercado são pouca coisa mais caro que na Inglaterra.
ResponderExcluirÉ difícil encontrar um país europeu mais caro que a Noruega. A gente leva um susto ao chegar lá... Quanto a Faroé, é um dos lugares mais incríveis em que já pisei. Quando falo a alguém que vai viajar à Islândia para esticar em Faroé, a sugestão muitas vezes é declinada por acharem que devido à proximidade são semelhantes. Nada mais equivocado, cada uma tem belíssimas paisagens, mas bem diferentes.
ResponderExcluirOla Marcelo, estou indo em julho/agosto com minha familia e ficaremos em Pharoe por 6 dias...como vamos alugar um carro gostaria de saber se vale a pena pagar a taxa que a locadora sugere para transitar livremente pelos tuneis submarinos (DKK 78,00/dia) - é necessario passar por eles com muita frequencia para passear pelas ilhas?
ResponderExcluirGrata
Bom dia.
ExcluirExistem dois túneis submarinos em Faroé. Um liga Vágar a Streymoy e o outro, Eysturoy a Bordoy. São as ilhas onde ficam o aeroporto, a capital Tórshavn e a segunda cidade mais importante, Klaksvik. Se você pegar o carro no aeroporto e se dirigir a uma das duas cidades, já vai passar por túnel submarino e ter que pagar a taxa. Eles são usados cada vez que você se locomove entre estas ilhas. Você pode pagar a taxa em postos de gasolina pré-determinados ao longo da estrada que sai do túnel, mas sem dúvida é mais cômodo antecipar o pagamento.