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Tiradentes, a charmosa joia colonial mineira

Rua Padre Toledo em  Tiradentes

           Tiradentes dispensa apresentações. A cidade mineira, distante somente 14 quilômetros de São João del-Rei, é uma aula de história a céu aberto. Nada como percorrer suas ruas com calma, apreciando as casas coloniais impecavelmente pintadas de branco com molduras de portas e janelas coloridas. O calçamento preservado e irregular em pedra capistrana ajuda a manter o astral tranquilo de volta ao passado. Conhecida também pelas igrejas, a cidade tem ainda um charme adicional que a diferencia das demais cidades históricas do sul de Minas - a presença de cavalos e charretes. 



            Tiradentes foi fundada em 1702, quando bandeirantes localizaram filões de ouro no Rio das Mortes, que banha a cidade. Com a exploração do ouro a pleno vapor, foi elevada a vila com o nome de São José del Rei, em homenagem ao futuro rei de Portugal D. José I. Logo após a Proclamação da República em 1889, o governo precisava de um mito para consolidar o ideal republicano e garimpou o nome de Tiradentes, antes esquecido e até desprezado pelo Império por suas convicções. Para reforçar ainda mais a escolha do novo herói nacional, a cidade de São José foi rebatizada como Tiradentes, que havia nascido e crescido na região. Pessoalmente, acho que o nome antigo formaria uma dobradinha interessante com a outra cidade turística da área - São João e São José del Rei.

Descendo a Rua da Câmara

              Quem desconhece esta história  pode estranhar o pouco destaque dado ao Inconfidente pela cidade que leva seu nome. Só encontrei uma estátua dele, na ladeira que leva ao Museu do Padre Toledo, mesmo assim inaugurada poucos anos atrás. Há ainda um busto seu junto à Câmara Municipal. A figura homenageada na estátua difere totalmente da imagem com o qual estamos acostumados a reconhecer Tiradentes, apresentando um jovem baixo de rosto liso em uniforme militar.  Aliás, parece que o jeitão habitualmente retratado de mártir, com cabelos e barbas compridos e túnica, também foi moldado pelo governo da nova República. .

A estátua tiradentina de Tiradentes

            Cheguei a Tiradentes pela maria fumaça, num passeio sobre o qual já comentei no post sobre São João del-Rei. Além disso, o ônibus em que viajei do Rio para São João del-Rei desviou do trajeto para parar em Tiradentes tanto na ida quanto na volta, em um ponto próximo à estação ferroviária.

O trem estacionado na estação. Repare no desnível para a descida dos vagões da frente da composição.

             Da estação ferroviária até a praça principal, o Largo das Forras, são menos de dez minutos a pé. O Largo é  ponto inicial das charretes e nas noites de fim de semana se transforma com a agitação nos bares e restaurantes. O centro histórico ocupa uma área pequena, podendo ser todo conhecido a pé a partir do Largo das Forras, percorrendo as ruas e ladeiras da cidade, emoldurada pela Serra de São José.

Vista obtida do gramado da  Capela de São Francisco de Paula

           Uma boa vista de Tiradentes e dos morros que a circundam pode ser obtida da Capela de São Francisco de Paula, uma bela igreja com fachada azul e branca construída no século XVIII. O cruzeiro plantado no gramado de onde se obtém as vistas data de 1718, ano de elevação da então São José del Rei a vila. .A Igreja Matriz chama a atenção dominando a paisagem no morro do outro lado da cidade e foi para lá que me encaminhei quando cheguei a Tiradentes.

Museu do Padre Toledo, com a estátua de Tiradentes à direita

               Como a Matriz fica no alto da cidade, não há outro jeito a não ser subir uma das duas ladeiras que levam até lá (pode-se também usar as charretes). Uma das ladeiras faz a curva no Museu do Padre Toledo, este sim um Inconfidente que viveu na época em Tiradentes. O Padre Toledo foi nomeado vigário da vila de São José del Rei em 1776. Ao chegar, mandou construir sua residência, uma mansão de 18 aposentos onde hoje está instalado o museu. O casarão foi palco de reuniões dos inconfidentes, mobilizados pelo próprio Padre Toledo. Após o fracasso da Inconfidência, o padre foi degredado para a prisão em Lisboa, de onde jamais saiu.

Pintura no teto de um dos salões do Museu do Padre Toledo, refletida em mesa espelhada

                O museu, cujo ingresso custou dez reais, contém mobília, utensílios e obras de arte da época, além de vídeos explicando o processo de restauração do casarão,  mas o mais interessante são os sete tetos  dos aposentos  pintados em temas diversos. Três dos mais interessantes são os dos Cinco Sentidos, com figuras da mitologia greco-romana que podem ser admiradas sentando-se num sofá colocado no meio da sala, o das Frutas na sala de jantar, e o da Sala dos Espelhos, onde a pintura do teto é refletida numa mesa recortada coberta por espelhos.

Igreja Matriz de Santo Antônio

           Seguindo então pela Rua Padre Toledo, chegamos à igreja mais opulenta de toda a região - a Igreja Matriz de Santo Antônio. E bota opulenta nisso! É a segunda igreja com maior quantidade de decoração em ouro em todo o país, 482 kg. É muita riqueza. Digno de nota é o órgão de tubos em estilo rococó construído na cidade portuguesa do Porto em 1785 e restaurado há sete anos. Já os relógios da torre são os originais da inauguração em 1788. A moldura da porta na fachada e as esculturas da portada, do início do século XIX, são atribuídas a Aleijadinho.

Rua da Câmara e Igreja Matriz

             Além do seu interior, o pátio fronteiro também é motivo para se deter por alguns minutos. Na sua lateral jaz um relógio de sol, também da época da inauguração, que possui duas faces para consulta das horas no inverno e verão, respectivamente.  Além disso, a vista da ladeira da Rua da Câmara descendo rumo à cidade é um dos cartões postais de Tiradentes. Aliás, a rua tem esse nome devido à presença do prédio da Câmara Municipal, facilmente identificado pela sua varanda coberta avançando na rua. Tiradentes é uma das raras cidades históricas onde a câmara e a cadeia não dividiam o mesmo prédio.

O Relógio do Sol no pátio da Igreja Matriz

            Nas noites de sexta a domingo (exceto quando há casamentos) acontece uma apresentação de luz e som, com um texto contando a história da igreja, narrado pelo falecido ator Paulo Goulart. De quebra, na sexta-feira há em seguida um concerto do órgão.

Vista obtida do pátio da Igreja Matriz, com a varanda da Câmara Municipal avançando pela rua

         Na esquina com a Rua da Câmara com a Rua Direita fica o restaurante Gourmeco, onde almocei um autêntico e saboroso risoto italiano de gorgonzola com filé. Tiradentes é conhecida pelas suas boas opções gastronômicas, várias delas localizadas ao longo da Rua Direita e no Largo das Forras. Lojas de artesanato também dão o ar da graça na Rua Direita.

Final da Rua Direita

               Prosseguindo pela Rua Direita, a próxima esquina congrega frente a frente duas construções históricas. A primeira, datada de 1730, é a antiga Cadeia e hoje abriga o Museu de Sant'Ana, inaugurado há dois anos e apresentando quase trezentas imagens da santa. À sua frente, a Igreja do Rosário dos Pretos é considerada a mais antiga de Tiradentes, com construção iniciada em 1712. A igreja foi erguida durante as noites por escravos, sendo depois somente frequentada por eles, proibidos de assistir a missas em outros templos. Com imagens negras, a igreja tem decoração simples e faz contraste total com a Igreja Matriz. Um detalhe surpreendente são os adornos em ouro, contrabandeados pelos escravos em seus cabelos e unhas.

Igreja do Rosário com a antiga Cadeia à esquerda

                  Caminhando alguns metros na continuação da rua da Câmara e passando por uma ponte, chegamos ao Chafariz de São José. Datado de 1749, e ainda em funcionamento,  possui três saídas de água diferentes, na frente e nas duas laterais, que serviam como bebedouro de água potável, bebedouro para animais e água para lavagem de roupas. Além das três bicas frontais em forma de carranca, o chafariz possui um oratório com uma imagem em terracota de São José de Botas, além de ser adornado com o brasão da Coroa Portuguesa.

Chafariz de São José

            Quando desembarquei em Tiradentes às 10h40min da manhã (primeiro horário do trem, saindo às dez de São João del-Rei), a cidade estava bem vazia, mas dei azar naquele sábado. Ao descer para o café da manhã em São João notei muitos atletas em uniforme no hall do hotel e me perguntei onde aconteceria o evento esportivo. Adivinhem o local? Se tratava de um enduro com competições de corrida e de ciclismo pela Estrada Real e Tiradentes ficou superlotada à tarde, registrando até engarrafamento no seu acesso, devido às ruas interditadas para a chegada. Subir à Capela de São Francisco de Paula foi complicado devido às cordas de isolamento. Ainda bem que eu já tinha conhecido a maior parte das atrações, mas a partir dessa hora o encanto que Tiradentes exercia se evaporou com a multidão e o tumulto. Para evitar esse tipo de percalço, talvez o melhor mesmo seja visitar a cidade num dia útil tranquilo.


 Postado por  Marcelo Schor  em 04.02.2017 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Além do charme, Tiradentes é uma das cidades mais fotogênicas do nosso país. Um prato cheio para todos aqueles que gostam de fotografar.

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