Haarlem é uma cidade encantadora com 158.000 habitantes, localizada a vinte quilômetros de Amsterdã, tendo tudo o que caracteriza uma cidade típica holandesa: canais, moinho, arquitetura típica do século XVIII e uma praça principal com o nome Markt. Além disso, possui algumas peculiaridades que a distinguem e fazem a visita valer ainda mais a pena.
A cidade acabou denominando também um dos bairros mais conhecidos de Nova Iorque, o Harlem. A metrópole americana foi fundada por holandeses, sendo chamada inicialmente de Nova Amsterdã. O Harlem nos primórdios era uma vila distinta e desta forma foi reproduzida a proximidade das cidades europeias originais .
Haarlem é capital da província da Holanda do Norte; nem todos sabem, mas o nome correto do país é Países Baixos, enquanto Holanda é somente uma de suas províncias (atualmente dividida em norte e sul), cujo nome acabou servindo como denominação informal para todo o país. Por coincidência ou não, a província da Holanda é o centro da produção de um dos artigos holandeses mais famosos, a tulipa. Haarlem está situada a meros vinte quilômetros de
Keukenhof, o famoso jardim que é vitrine de exposição da flor, sendo há muito um grande centro de comércio das tulipas, tanto que é conhecida como "Cidade das Flores" (apesar de eu não ter visto sinal delas durante a visita em junho).
O tempo curto de trajeto por trem, meros quinze minutos, faz com que seja um dos bate-voltas prediletos de quem visita a capital holandesa. A
estação ferroviária, uma das mais bonitas da Holanda, fica a uns quinhentos metros ao norte da praça principal. Ao sair na praça fronteira à estação, já nos deparamos com uma estátua instigante de um casal em trajes de época em posição desafiadora. Trata-se de uma homenagem aos habitantes da cidade que lutaram no chamado Cerco de Haarlem, ocorrido em 1572. A cidade enfrentou o então todo poderoso império espanhol, mas acabou capitulando após alguns meses, tendo dois de seus portões derrubados. Três anos mais tarde houve um grande incêndio, tudo culminando na destruição de um terço da cidade. Aos poucos Haarlem se recuperou e floresceu durante a Era de Ouro holandesa, no século seguinte.
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O casal de Haarlem pronto para resistir ao cerco espanhol |
Rumei então para a praça principal, a
Grote Markt (Praça do Mercado Grande). Ainda hoje a praça se enche de barracas do mercado às segundas e sábados. Ao seu redor se encontram vários prédios históricos significativos no estilo característico holandês, com a fachada se afunilando nos últimos andares, cada construção com um desenho diferente. Entre estas construções se destaca a
Prefeitura, erguida no terreno de um antigo castelo no século XIV , o que a faz a mais antiga do país. Sua fachada singular é de três séculos mais tarde. O salão mais conhecido, o Salão dos Condes, é utilizado para recepções e cerimônias de casamento.
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Grote Markt, com a Prefeitura à esquerda |
Dentro da Prefeitura, com acesso pela praça, fica o escritório de turismo, onde tive uma surpresa quando entrei para pegar um mapa: a funcionária me cobrou pelo mapa impresso em papel vagabundo disponível numa pilha sobre o balcão - acho que foram 50 cents. Mesmo sendo um valor ínfimo, há muito tempo que não via este tipo de cobrança em escritórios de turismo fora das cidades grandes na Europa. O engraçado é que a medida desnecessária me fez tomar uma antipatia imediata pela cidade, sensação que foi se desvanecendo aos poucos à medida que a ia conhecendo.
Outro prédio na Grote Markt é o
Vleeshal, construído em estilo renascentista em 1603. A fachada chama a atenção logo de cara, pelo número de degraus formado pelo afunilamento do telhado, nove. O nome significa Salão da Carne em português, e efetivamente foi um mercado de carnes por mais de cem anos. Hoje sua atividade é outra - sedia dois museus: o de Arqueologia e o De Hallen, especializado em arte.
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Vleeshal |
Na Grote Markt uma estátua se destaca homenageando
Laurens Coster, sacristão nascido em Haarlem. Existe uma polêmica sobre ele, no estilo Santos Dumont x Irmãos Wright. Coster teria concebido uma prensa com uso de madeira quinze anos antes do alemão Gutemberg. Muitos nativos de Haarlem o consideram o verdadeiro inventor da imprensa. A estátua o retrata segurando uma letra "A" tipográfica.
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Estátua de Laurens Coster na Grote Markt |
Ainda na Grote Markt ao lado do Vleeshal se situa a
Catedral de St. Bavo (em português, São Bavão, santo protetor de Flandres). Aqui também encontramos modelos de navios dependurados no teto, tal qual vi nas
Ilhas Faroé, relembrando os tempos áureos em que a Holanda era uma potência marítima e possuía colônias além-mar. Foram presente da Guilda de Construtores Navais baseados em barcos do século XVI montados na cidade. O piso da catedral é todo constituído de tumbas, num total de 1500. A maior atração é mesmo o órgão com 5068 tubos e 29 metros de altura, tocado no passado por mestres como Mozart - aos dez anos de idade - e Händel, e que rende recitais gratuitos magníficos às terças e quintas. Uma tradição que acontece há 400 anos a cada noite é o toque de dois pequenos sinos, que originalmente servia para avisar do fechamento dos portões da cidade.
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O órgão da Catedral de St. Bavo - fonte: commons wikimedia,Welleschik |
Não é difícil ao passearmos pelas ruas de Haarlem nos depararmos com pátios ajardinados cercados por residências. Chamados de
hofjes (pronuncia-se
rófias)
, eles aparecem em outras cidades holandesas, mas em Haarlem são hoje 21 dos mais de 40 originalmente existentes. Foram construídos por benfeitores para abrigar idosas sem condições, normalmente mantidos por instituições de caridade. O mais antigo data do século XIV, mas existe até um exemplar inaugurado há nove anos. Fiquei um pouco espantado deste modelo de seguridade social existir na Idade Média. Os pátios podem ser visitados habitualmente entre 10 e 17 horas, exceto aos domingos.
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Hofje Van Orschoot |
Passei por alguns dos hofjes; dos que visitei, o mais belo foi o
Hofje Van Orschoot, datado de 1770 e construído conforme instrução do testamento do benfeitor que lhe legou o nome. Seus jardins e o portão de ferro parecem mais pertencer a alguma mansão grandiosa.
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Hofje Van Loo |
Já o
Hofje Van Loo foi inaugurado em 1489, sendo um dos mais antigos. Este é um dos hofjes mais fáceis de se vislumbrar, pois não é cercado por casas por três lados como é habitual, já que o lado que dá para a rua foi derrubado para seu alargamento. Este hofje fica bem perto do
Botermarkt (Mercado da Manteiga), que abriga barracas vendendo diversos tipos de mercadoria.
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Botermarkt |
Dali rumei para a parte sul do centro, mais residencial e tranquila. Lá fica situado o museu mais importante de Haarlem, o
Museu Frans Hals, na casa de anciãos onde ele residiu em seus anos derradeiros
. Hals era flamengo, mas faleceu em Haarlem, estando enterrado sob o piso da Catedral de St. Bavo. Conhecido por seus retratos cheios de contraste de luz e sombra, foi um dos maiores pintores da Era de Ouro holandesa, no século XVII, junto com Rembrandt e Vermeer. É curioso cada um destes mestres estar associado a uma cidade da Holanda, respectivamente Haarlem, Amsterdã e
Delft. O museu conta também com trabalhos de outros pintores de Haarlem. Como eu mencionei uma casa de anciãos, adivinhem outra das atrações do museu? Um hofje, claro. O magnífico portão da foto abaixo, enfeitado por três estátuas, era a entrada do pátio. Para informações sobre horário e preço, acesse
www.franshalsmuseum.nl/en.
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Entrada do Museu Frans Hals |
Não podia faltar em Haarlem o símbolo maior do país, o moinho. Situado a leste do centro e em localização privilegiada à beira do rio Spaarne, o
moinho De Adriaan foi erguido em 1778 no lugar de uma torre defensiva. Milho e posteriormente tabaco eram moídos ali. Um incêndio o destruiu em 1932, tendo sido reconstruído somente setenta anos depois para fins turísticos, idêntico ao original. O moinho abriga um museu que conta sua história e mostra o processo de moagem de grãos, com visita guiada.
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O moinho De Adriaan |
O bom mesmo em Haarlem é perambular sem rumo pelas suas ruas estreitas, apreciando a tranquilidade, a arquitetura e as inúmeras bicicletas que cruzam o centro sem pressa (basta ver a quantidade delas que aparece nas fotos). Um programa excelente para dar um descanso ao ritmo mais frenético de Amsterdã.
Postado por Marcelo Schor em 25.03.2017
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