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A medieval Regensburg, à beira do Danúbio


O casario do centro de Regensburg às margens do Danúbio

            Regensburg, conhecida em Portugal como Ratisbona, é a maior cidade do leste da Baviera. Cidade milenar, teve o seu centro histórico preservado pela ausência de bombardeios na Segunda Guerra Mundial. É banhada pelo rio Danúbio, o segundo rio europeu em extensão, que nasce na Floresta Negra, atravessa a Baviera e segue rumo ao Mar Negro, passando pelas capitais Bratislava, Budapeste, Viena e Belgrado. Situada a 1h20min de trem desde Munique e a uma hora desde Nuremberg, Regensburg é um destino bem interessante para se aproveitar o dia.

            A cidade nasceu como um forte romano no século I, evoluindo para um núcleo urbano ainda ao longo do Império Romano. Nesta época era conhecida como Castra Regina ("Acampamento  Real"), de onde se derivou seu nome atual. Regensburg ainda guarda resquícios dessa época, como a Porta Praetoria, um portão romano bem próximo à catedral . Durante a Idade Média, se tornou um entroncamento comercial importante, assim como um centro eclesiástico. Foi cidade imperial livre e a primeira capital da Baviera. O resultado destes dois milênios de história é um centro repleto de construções antigas, nomeado Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Vista do centro desde a Ponte de Pedra, com a Catedral em destaque

               O centro da cidade está situado a cerca de um quilômetro da estação ferroviária. O percurso pode ser feito por ônibus ou caminhando-se pela Maximiliamstraße. O trajeto pela rua é agradável, já que no seu trecho inicial ela é ladeada por um parque; além do mais, já podemos apreciar alguns exemplares da riqueza arquitetônica pela qual Regensburg é conhecida, como a fachada rebuscada do Park Hotel, no estilo rococó.

Fachada na Maximilianstraße

          Encaminhei-me para a atração principal de Regensburg, a Catedral de São Pedro, reconhecida como um dos maiores exemplos de igreja gótica na Baviera. Só havia um problema - sua fachada estava parcialmente coberta por tapumes e andaimes, o que me impediu de tirar fotos. A Catedral foi construída no século XIII, mas as torres com pináculos que fazem com que pareça a catedral de Colônia só foram adicionadas há 150 anos. O interior é típico das igrejas góticas bávaras, com teto abobadado; achei o interior um pouco soturno, mas os vitrais antiquíssimos da época da construção são magníficos.

Fonte da Águia na Domplatz

             Na Domplatz, a praça da catedral, encontramos a estátua de Ludwig I (avô do "Rei Louco" Ludwig II), que reformou a Catedral no século XIX, e a  gradeada Fonte da Águia, esculpida em 1566, também chamada de Fonte do Imperador, já que a ave e o globo dourado sob ela representariam o poderio do Sacro Império Romano-Germânico, naquela época em seu auge.

Torre da Ponte vista da Steinernebrücke

               A outra grande atração de Regensburg é a Steinernebrücke, ou Ponte de Pedra, a primeira construída no século XII e que permaneceu a única sobre o Danúbio na cidade por 800 anos até o século XX. Obra de engenharia impressionante para tão prisca era, a ponte sólida com dezesseis arcos foi erguida em somente onze anos em substituição a uma ponte de madeira, e serviu de modelo para a construção de outras pontes de pedra Europa afora.  Único ponto de travessia do rio em uma vasta área, a ponte certamente contribuiu para o desenvolvimento da cidade como um entreposto comercial que se tornou o mais importante do império. Originalmente a ponte de 336 metros de extensão possuía três torres, mas hoje só resta uma na sua entrada do lado sul, que abriga um museu contando a sua história.

         Mais uma decepção me aguardava, pois os arcos estavam cercados também por andaimes, e o caminho da ponte, reservada a pedestres, parcialmente tomado por tapumes de obra. Deste jeito não havia beleza que resistisse... A obra já dura vários anos.

A Catedral e a Ponte das Pedras, esta ainda sem andaimes - fonte: wikicommons HH58 CC BY-SA 3.0 curid 579800 

            Uma lenda curiosa (ainda mais para uma cidade que é sede eclesiástica) envolve as duas maiores atrações de Regensburg. Os responsáveis pela construção da catedral e da ponte, que eram mestre e aprendiz respectivamente, iniciaram uma competição envolvendo quem terminasse sua obra primeiro. O construtor da ponte, ao perceber que a igreja poderia ser concluída antes, resolveu fazer um pacto com o diabo para acelerar sua construção. Em troca, o diabo ganharia as almas pertencentes aos quatro primeiros pares de pés que atravessassem a nova ponte. A ponte efetivamente ficou pronta antes, a toque de caixa. O vencedor da contenda trapaceou novamente, fazendo com que um cão, um galo e uma galinha fossem os transeuntes iniciais da nova ponte. Furioso com o engodo, o diabo golpeou a ponte para destruí-la. Não contava com a robustez da obra e o máximo que conseguiu foi encurvá-la, e efetivamente a ponte é arqueada. Registre-se que a lenda é inacurada do ponto de vista histórico, pois quando a catedral começou a ser erguida, a ponte já existia há mais de cem anos. Aliás, o relato me lembrou muito o best-seller de Ken Follett, Os Pilares da Terra, que trata justamente da construção de uma ponte e depois de uma catedral numa cidade da Inglaterra durante a Idade Média.

Davi contra Golias

          Na distância curta entre a Catedral e a Prefeitura, duas ruas dividem a atenção dos turistas. Além do casario bem antigo, a Goliathstraße apresenta uma pintura numa de suas fachadas homenageando o gigante bíblico que lhe dá o nome, ao enfrentar o então jovem Davi. O casarão, a Casa Golias,  é do século XIII, e a pintura foi feita três séculos mais tarde. Cuidado ao fotografar a fachada, pois apesar de estreita, a rua é caminho do ônibus que liga a estação à Prefeitura. Quanto menos se espera, o inesperado veículo dobra a esquina apertada e segue seu caminho em meio às pessoas.

Placa indicando a casa onde Oskar Schindler e a esposa viveram em 1945

             Quem se emocionou com o filme ganhador do Oscar A Lista de Schindler, dirigido por Steven Spielberg, não vai querer de deixar de passar pela rua paralela, a mais estreita ainda Am Watmarkt. Lá está situada uma das casas onde morou Oskar Schindler, personagem central do filme, durante alguns meses do pós-guerra. Uma placa na parede relembra o papel importante do industrial ao salvar 1.200 judeus da morte certa nas mãos dos nazistas.

Kohlenmarkt, com a Prefeitura em primeiro plano, e a Prefeitura Velha atrás.

            A praça Kohlenmarkt reúne tanto a prefeitura nova quanto a antiga, onde está o escritório de turismo. O prédio gótico da Prefeitura Velha tem importância enorme na história da Alemanha por ter sediado por 143 anos o Reichstag, o Parlamento onde se reuniam os representantes dos diversos estados que compunham o Sacro Império (confira a versão atual do Reichstag no post sobre Berlim). Desta forma, Regensburg era de fato a capital parlamentar do vasto império alemão. O luxuoso e preservado salão do Parlamento, cuja sacada se destaca na lateral do prédio, pode ser conhecido em visita guiada. O tour inclui também a câmara de tortura do subsolo com vários instrumentos destinados a arrancar confissões. O único inconveniente é que a visita em inglês só acontece uma única vez no dia, acontecendo no verão às 3 da tarde,.
         
O belo prédio da Prefeitura Velha, com a sacada do Salão do Parlamento

         Como se não bastassem os andaimes na catedral e na ponte, ainda toparia com um outro empecilho para atrapalhar minhas fotos em Regensburg. A paisagem de cartão postal da Haidplatz, outra famosa praça medieval, estava bloqueada por um imenso ônibus amarelo-ovo plantado bem no seu centro. Na Idade Média a praça sediava torneios de cavaleiros. O prédio cinza que tem cara de castelo na sua direita é na realidade uma hospedaria medieval, a Casa da Cruz Dourada, onde pernoitavam nobreza e realeza, cujo exemplo mais ilustre foi Carlos V, monarca do Sacro Império, que lá se hospedou três vezes.

Haidplatz

            Regensburg possui ainda uma série de outras atrações como o Museu Histórico, sediado em um mosteiro e que conta a história da cidade com artefatos desde os tempos romanos, e o Castelo Thurn und Taxis. Este é uma antiga abadia transformada em residência de uma das famílias mais ricas da Europa, detentora do monopólio dos correios na Alemanha por séculos a fio, e que tinha assento garantido no Reichstag como representante do imperador. Os príncipes Thurn und Taxis moram até hoje no castelo e em décadas passadas eram presença eventual em festas do high society carioca. O castelo, que possui 500 aposentos com alguns abertos a visitação guiada, inclui um parque imenso fechado que se estende praticamente até a estação ferroviária.

            A cidade conta também com vários biergärten localizados nas praças medievais, onde se pode parar para descansar, apreciar o casario e tomar uma típica cerveja bávara. 

Outro exemplo do belo casario, na ruela que liga o ancoradouro de barcos de cruzeiro à catedral

            Sendo Regensburg banhada pelo Danúbio, não podiam faltar os barcos que fazem cruzeiro pelo rio, atracados no ancoradouro ao lado da Ponte de Pedra. Um passeio diferente é o que pára em Walhalla, um templo baseado no Parthenon grego erguido por Ludwig I e distante cinquenta minutos descendo o rio. Construído em mármore no alto de uma colina, abriga 143 bustos de grandes nomes alemães de todas as épocas, desde o próprio Ludwig I (pelo visto a modéstia passou longe...) até Lutero, Beethoven e Einstein, um dos adicionados após sua inauguração. Até a czarina russa Catarina, a Grande foi homenageada, já que nasceu na Prússia. Uma analogia muito interessante com a Valhalla nórdica, para onde, de acordo com a mitologia, iam os grandes guerreiros vikings após a morte. Atenção: são 360 degraus desde o sopé da colina junto ao rio até a entrada do templo.  Considerei até fazer o cruzeiro a Walhalla, mas o tempo excessivo de permanência no templo naquela tarde, duas horas, invalidaria meus planos para o final do dia em Munique, e então desisti. 

Vista aérea de Walhalla - fonte: wikicommons,Gerhard Huber CC BY-SA 3.0

          Com isso, sobraram dois motivos para retornar a Regensburg: visitar Walhalla e poder apreciar a vista sem empecilhos da Catedral e da Ponte de Pedra. Quem sabe um dia?

            E já que mencionei Munique, o próximo post é dedicado à maior cidade da Baviera.

⏩➧ Este é o terceiro post da série sobre a viagem pelo sul e centro da Alemanha. Para visualizar os demais, acesse  Novo Tour pela Alemanha .


 Postado por  Marcelo Schor  em 25.07.2017 

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