A torre Kaiserturm em Villingen |
Desde que conheci a Floresta Negra há cinco anos, sonhava em voltar e perambular por mais cidadezinhas desta região na Alemanha que tanto me fascinou pela natureza e pela arquitetura. Incluí no roteiro uma nova estadia em Baden-Baden com este propósito. Dali em um domingo ensolarado de primavera parti de trem para percorrer a icônica Ferrovia da Floresta Negra, a Schwarzwaldbahn, da qual já conhecia o trecho inicial. Meu destino era Villingen, uma cidade murada na outra extremidade da Floresta que tinha aguçado minha curiosidade, já que não sabia anteriormente da existência de muros medievais em núcleos urbanos da região.
As vilas da Floresta Negra passam pela janela do trem |
A Schwarzwaldbahn, uma das rotas ferroviárias turísticas alemãs mais famosas, atravessa a Floresta Negra de noroeste a sudeste, de Offenburg a Villingen, com os trilhos seguindo para Constança. No seu trecho de subida, acompanha os belos vales dos rios Kilzig e Gutach em meio à floresta até atingir Triberg, cidade que visitei no mesmo dia na volta de Villingen. Para ressaltar a importância turística da linha, todas as estações possuem o nome da ferrovia colocado abaixo do nome da localidade na placa indicativa.
As localidades da Floresta Negra que conheci nas duas visitas, incluindo as bases de Baden Baden e Freiburg |
Obra monumental de engenharia, a Schwarzwaldbahn foi inaugurada em 1873. O trecho após Triberg, mais íngreme, envolveu a construção de 39 túneis, num dos quais a ferrovia dá volta em si mesma para vencer o desnível. Já tinha visto solução idêntica na vila suíça de Wassen (veja aqui o post), cortada pela linha férrea para Lugano, e não foi surpresa quando descobri que os dois projetos eram do mesmo engenheiro.
O traçado não seguiu o trajeto mais natural para poder se ater à área do ducado de Baden, que bancou a obra. Desta forma não beneficiou as cidades fabricantes de relógios do ducado vizinho de Württemberg, rivais de lugares como Villingen nessa atividade econômica. Mal sabiam os governantes que menos de oitenta anos depois todos fariam parte do mesmo estado alemão, resultado da junção dos dois ducados.
O traçado não seguiu o trajeto mais natural para poder se ater à área do ducado de Baden, que bancou a obra. Desta forma não beneficiou as cidades fabricantes de relógios do ducado vizinho de Württemberg, rivais de lugares como Villingen nessa atividade econômica. Mal sabiam os governantes que menos de oitenta anos depois todos fariam parte do mesmo estado alemão, resultado da junção dos dois ducados.
Para sorte dos turistas, os vagões dos trens regionais utilizados na linha têm dois andares. O melhor é sentar no andar superior e curtir a paisagem deslumbrante das colinas cobertas de pinheiros - na maior parte do trajeto os trilhos acompanham o curso dos rios no lado direito do sentido de rota de subida. Para o percurso comprei um Baden-Württemberg Ticket por €23, com direito a viagens ilimitadas durante o dia em trens regionais. Para casais ou famílias esta pechincha era ainda maior, pois cada acompanhante adicional pagava somente €5 a mais. Por ser fim de semana, a limitação de horário a partir das 9h não existia, e pude iniciar o trajeto de 1h35min de duração em Baden-Baden às oito e meia da manhã.
Villingen não é tão pequena para os padrões da Floresta Negra. Possui 82.000 habitantes e seu nome completo é um tanto complicado: Villingen-Schwenningen. Na realidade, até 1972 eram duas cidades distintas, com centros separados por cinco quilômetros. Villingen se situava originalmente no ducado de Baden, enquanto Schwenningen pertencia a Württemberg. Já deu para perceber como deveria ser a rivalidade entre os dois núcleos urbanos, e como devem ter reagido à unificação. De qualquer forma, o folheto distribuído nos escritórios de turismo de ambas tem solução salomônica: de cada lado apresenta o mapa e respectivas atrações de uma das duas ex-cidades.
A estação servida pela Schwarzwaldbahn fica em Villingen. Melhor, pois a grande estrela turística parece ser mesmo Villingen e nem cheguei a pisar em Schwenningen. A estação fica a somente duas quadras do centro antigo. O riacho despretensioso que passa defronte a ela, o Brigach, mais adiante se juntará a outro córrego para formar o Danúbio; portanto muito provavelmente esta vai ser a visão mais próxima da nascente que você terá do grande rio europeu. Não custa observar que, para não ficar atrás, Schwenningen abriga a nascente de outro rio importante alemão, o Neckar, que banha Stuttgart e Heidelberg antes de desaguar no Reno em Mannheim.
Villingen foi fundada no século X e é conhecida pela sua arquitetura medieval preservada, especialmente os muros que ainda envolvem parte do centro compacto, entremeados por torres e portões. Construída há oitocentos anos para defesa da cidade, a muralha resistiu a um cerco por tropas francesas em 1704, em luta contra o Império Sacro-Germânico na chamada Guerra da Sucessão Espanhola.
São três portões e três torres espalhados pela muralha que circundava Villingen, formando um anel. Originalmente eram quatro portões - um ruiu no século XIX - correspondentes aos quatro pontos cardeais e que se situavam nas extremidades das duas ruas principais e mais largas do centro medieval, que se cruzam. O mais antigo dos sobreviventes é o Riettor, no lado oeste, construído em 1233, seguido pelo Bickentor, no lado leste, de 1260. O terceiro portão é o Oberes Tor ("portão de cima", no lado norte), o mais alto. O lado sul já não tem sinal da muralha. Pena não podermos caminhar pelo alto dos muros como em Rothenburg ou na suíça Murten, mas de qualquer forma o visual dos portões e das torres no final das ruas é um diferencial que impacta. E falando em Rothenburg, é notável a semelhança dos portões de Villingen com a Sibersturm, torre cartão-postal da cidade bávara.
Das torres, duas se destacam. A Romäusturm, homenageia um herói local, o Romäus do nome, que esteve preso na torre no início do século XVI e conseguiu fugir, lutando depois em guerras. Ele aparece com sua armadura numa pintura grande numa das laterais externas da torre. Com 34 metros de altura, a Romäusturm é a maior torre de Villingen. Do lado oposto da cidade está a Kaiserturm ("torre do imperador") , erguida em 1392. Esta foi a torre que vi assim que saí da estação, atraindo imediatamente minha atenção. A terceira torre, onde se armazenava pólvora, é redonda e mais baixa, mas não me lembro de ter passado por ela nas minhas andanças.
Após passar sob a Kaiserturm, logo alcancei uma das duas ruas principais, a Niedere Straße. Como era manhã de domingo, as ruas estavam bem vazias, destacando ainda mais as sacadas em madeira protuberantes e fechadas das casas, uma característica da arquitetura típica da área. A exceção eram os cafés, cheios de gente saboreando o café da manhã. Duas coisas me chamaram a atenção na Niedere Straße. A primeira foi uma valeta acompanhando a rua para escoamento da chuva, presente também em outros logradouros do centro. Será que aqui existe a mesma superstição de Freiburg, situada a 48 quilômetros de distância?
A segunda foi a Fonte do Narro. Os narros são a fantasia mais popular nos desfiles do carnaval pelas ruas de Villingen, muito prestigiados pela população. Uma espécie de pierrô alemão, a vestimenta inclui uma máscara que disfarça a voz do seu usuário, dificultando ainda mais seu reconhecimento durante a folia. As comemorações do carnaval da Floresta Negra, o Fasnet (também chamado de Fasnacht), duram uma semana e são famosas em toda a Alemanha, com origem há quinhentos anos para marcar o fim do inverno. O carnaval de Villingen só encontra rival na vizinha Rottweil, mais reconhecida como o local de origem da raça de cães de guarda.
A construção que mais se destaca na cidade é a Catedral, com torres completamente assimétricas. Com construção iniciada em estilo romanesco, foi completada em estilo gótico em 1284, após um incêndio que devastou parte da cidade treze anos antes. O templo católico possui um carrilhão inaugurado há onze anos com nada menos que 51 sinos empilhados em quatro fileiras circulares no alto de uma das torres, formando assim a figura de um sino gigantesco. Como estava sendo rezada a missa dominical, só pude apreciar o seu interior a partir da porta.
Diversos prédios históricos se situam na Münsterplatz, a praça da Catedral. Bem em frente à igreja, lado a lado estão as Prefeituras nova e velha, cujo prédio é contemporâneo dos portões da cidade, remontando ao século XIII. Às quartas e sábados um mercado toma conta da praça.
Já uma fonte de bronze, a Münsterbrunnen, rouba a atenção de quem passa pela Münsterplatz. Pode-se até pensar como a fonte está bem conservada, mas na realidade ela é muito mais nova que as construções que a envolvem: foi inaugurada em 1989, e seus oito lados retratam a história milenar da cidade, misturando esculturas em relevo e texto. Pena que os dizeres extensos estejam todos em alemão...
Para quem quer se aprofundar nos aspectos culturais de Villingen, a pedida é o Museu Franciscano. Situado num antigo monastério ao lado do portão Riettor, o museu apresenta a história e folclore da cidade, incluindo uma mostra sobre o carnaval e suas fantasias. O local também sedia o escritório de turismo. O museu funciona de terça a sábado entre 13 e 17 horas, enquanto aos domingos abre um pouco mais cedo, às 11.
Villingen não é tão pequena para os padrões da Floresta Negra. Possui 82.000 habitantes e seu nome completo é um tanto complicado: Villingen-Schwenningen. Na realidade, até 1972 eram duas cidades distintas, com centros separados por cinco quilômetros. Villingen se situava originalmente no ducado de Baden, enquanto Schwenningen pertencia a Württemberg. Já deu para perceber como deveria ser a rivalidade entre os dois núcleos urbanos, e como devem ter reagido à unificação. De qualquer forma, o folheto distribuído nos escritórios de turismo de ambas tem solução salomônica: de cada lado apresenta o mapa e respectivas atrações de uma das duas ex-cidades.
Café da manhã sentados sob o sol de Villingen |
A estação servida pela Schwarzwaldbahn fica em Villingen. Melhor, pois a grande estrela turística parece ser mesmo Villingen e nem cheguei a pisar em Schwenningen. A estação fica a somente duas quadras do centro antigo. O riacho despretensioso que passa defronte a ela, o Brigach, mais adiante se juntará a outro córrego para formar o Danúbio; portanto muito provavelmente esta vai ser a visão mais próxima da nascente que você terá do grande rio europeu. Não custa observar que, para não ficar atrás, Schwenningen abriga a nascente de outro rio importante alemão, o Neckar, que banha Stuttgart e Heidelberg antes de desaguar no Reno em Mannheim.
A Kaiserturm se sobressai no fim do beco |
Villingen foi fundada no século X e é conhecida pela sua arquitetura medieval preservada, especialmente os muros que ainda envolvem parte do centro compacto, entremeados por torres e portões. Construída há oitocentos anos para defesa da cidade, a muralha resistiu a um cerco por tropas francesas em 1704, em luta contra o Império Sacro-Germânico na chamada Guerra da Sucessão Espanhola.
Portão Oberes Tor |
São três portões e três torres espalhados pela muralha que circundava Villingen, formando um anel. Originalmente eram quatro portões - um ruiu no século XIX - correspondentes aos quatro pontos cardeais e que se situavam nas extremidades das duas ruas principais e mais largas do centro medieval, que se cruzam. O mais antigo dos sobreviventes é o Riettor, no lado oeste, construído em 1233, seguido pelo Bickentor, no lado leste, de 1260. O terceiro portão é o Oberes Tor ("portão de cima", no lado norte), o mais alto. O lado sul já não tem sinal da muralha. Pena não podermos caminhar pelo alto dos muros como em Rothenburg ou na suíça Murten, mas de qualquer forma o visual dos portões e das torres no final das ruas é um diferencial que impacta. E falando em Rothenburg, é notável a semelhança dos portões de Villingen com a Sibersturm, torre cartão-postal da cidade bávara.
Portão Riettor |
Das torres, duas se destacam. A Romäusturm, homenageia um herói local, o Romäus do nome, que esteve preso na torre no início do século XVI e conseguiu fugir, lutando depois em guerras. Ele aparece com sua armadura numa pintura grande numa das laterais externas da torre. Com 34 metros de altura, a Romäusturm é a maior torre de Villingen. Do lado oposto da cidade está a Kaiserturm ("torre do imperador") , erguida em 1392. Esta foi a torre que vi assim que saí da estação, atraindo imediatamente minha atenção. A terceira torre, onde se armazenava pólvora, é redonda e mais baixa, mas não me lembro de ter passado por ela nas minhas andanças.
Romäusturm |
Após passar sob a Kaiserturm, logo alcancei uma das duas ruas principais, a Niedere Straße. Como era manhã de domingo, as ruas estavam bem vazias, destacando ainda mais as sacadas em madeira protuberantes e fechadas das casas, uma característica da arquitetura típica da área. A exceção eram os cafés, cheios de gente saboreando o café da manhã. Duas coisas me chamaram a atenção na Niedere Straße. A primeira foi uma valeta acompanhando a rua para escoamento da chuva, presente também em outros logradouros do centro. Será que aqui existe a mesma superstição de Freiburg, situada a 48 quilômetros de distância?
O calçadão da Niedere Straße com a valeta |
A segunda foi a Fonte do Narro. Os narros são a fantasia mais popular nos desfiles do carnaval pelas ruas de Villingen, muito prestigiados pela população. Uma espécie de pierrô alemão, a vestimenta inclui uma máscara que disfarça a voz do seu usuário, dificultando ainda mais seu reconhecimento durante a folia. As comemorações do carnaval da Floresta Negra, o Fasnet (também chamado de Fasnacht), duram uma semana e são famosas em toda a Alemanha, com origem há quinhentos anos para marcar o fim do inverno. O carnaval de Villingen só encontra rival na vizinha Rottweil, mais reconhecida como o local de origem da raça de cães de guarda.
Fonte do Narro, com a roupa típica e máscara usada nos desfiles |
A construção que mais se destaca na cidade é a Catedral, com torres completamente assimétricas. Com construção iniciada em estilo romanesco, foi completada em estilo gótico em 1284, após um incêndio que devastou parte da cidade treze anos antes. O templo católico possui um carrilhão inaugurado há onze anos com nada menos que 51 sinos empilhados em quatro fileiras circulares no alto de uma das torres, formando assim a figura de um sino gigantesco. Como estava sendo rezada a missa dominical, só pude apreciar o seu interior a partir da porta.
As torres díspares da Catedral. A da esquerda abriga os sinos. |
Diversos prédios históricos se situam na Münsterplatz, a praça da Catedral. Bem em frente à igreja, lado a lado estão as Prefeituras nova e velha, cujo prédio é contemporâneo dos portões da cidade, remontando ao século XIII. Às quartas e sábados um mercado toma conta da praça.
Já uma fonte de bronze, a Münsterbrunnen, rouba a atenção de quem passa pela Münsterplatz. Pode-se até pensar como a fonte está bem conservada, mas na realidade ela é muito mais nova que as construções que a envolvem: foi inaugurada em 1989, e seus oito lados retratam a história milenar da cidade, misturando esculturas em relevo e texto. Pena que os dizeres extensos estejam todos em alemão...
A fonte da Münsterplatz diante da Prefeitura e da Catedral (à esquerda) |
Outra vista da fonte. Olha a valeta presente novamente! |
Para quem quer se aprofundar nos aspectos culturais de Villingen, a pedida é o Museu Franciscano. Situado num antigo monastério ao lado do portão Riettor, o museu apresenta a história e folclore da cidade, incluindo uma mostra sobre o carnaval e suas fantasias. O local também sedia o escritório de turismo. O museu funciona de terça a sábado entre 13 e 17 horas, enquanto aos domingos abre um pouco mais cedo, às 11.
No próximo post visitamos Triberg, onde imperam os relógios de cuco.
⏩➧ Este é o sétimo post da série sobre a viagem pelo sul e centro da Alemanha. Para visualizar os demais, acesse Novo Tour pela Alemanha.
⏩➧ Este é o sétimo post da série sobre a viagem pelo sul e centro da Alemanha. Para visualizar os demais, acesse Novo Tour pela Alemanha.
Postado por Marcelo Schor em 13.09.2017
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