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Kassel: contos de fadas e um parque exuberante


A amplidão do parque vista a partir dos jardins do Palácio Wilhelmshöhe. Ao fundo, o monumento a Hércules. 

             Kassel é uma das paradas principais da chamada Rota dos Contos de Fadas, pois foi lá que viveram por muitos anos os Irmãos Grimm, responsáveis por contos que encantam crianças e adultos até os dias de hoje. A cidade de 200.000 habitantes no estado de Hesse, no centro da Alemanha, também sedia periodicamente uma prestigiada exposição internacional de arte contemporânea. Mas o que me levou a incluir Kassel em meu roteiro foi o Parque Wilhelmshöhe, designado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, com seus monumentos e palácios.

         Mas afinal o que o Bergpark Wilhemshöhe tem de tão especial a ponto de se tornar um Patrimônio da Humanidade? Trata-se de um parque bem extenso em meio à floresta, ocupando o declive de uma colina. Foi projetado no início do século XVIII a mando do Conde Karl I, que governava a região. Da sua atração mais alta, o Octógono, à mais baixa, o Palácio de Wilhemshöhe, são 230 metros de diferença de altura e dois quilômetros de distância com muitas árvores. Mas, além de toda a sua beleza, o que realmente o diferencia é a chamada Cascata - água que é alimentada por doze quilômetros de tubulação e que duas vezes por semana surge no Octógono, se derrama pelos degraus da escadaria à sua frente e vai surgindo paulatinamente em outros pontos do parque, seguindo um cronograma horário rígido acompanhado pela horda de turistas fotógrafos.

Mapa do Parque Wilhelmshöhe, no folheto de turismo

            Existem duas rotas diferentes por trilhos entre Frankfurt (situada também em Hesse e onde eu estava hospedado) e Kassel, via Fulda ou Marburg. Assim os tempos de viagem variam um pouco, entre 1h28min e 2h05min. Os trens rápidos normalmente usam o ramal de Fulda. Deve-se tomar cuidado porque existem duas estações de trem em Kassel, a Wilhelmshöhe, mais perto do parque, e a Hauptbahnhof, no centro. Os trens rápidos só param em Wilhemshöhe, deixando a estação central relegada a alguns trens regionais, o que não é habitual na Alemanha.

Descendo pelas aleias do parque

               Meu objetivo principal em Kassel era mesmo percorrer o parque, cujas fotos tinham me deixado bem curioso, e que fica distante cinco quilômetros do centro da cidade. Assim que desembarquei em plena quarta-feira (dia de acionamento da Cascata) na estação de Wilhemshöhe, me encaminhei ao escritório de turismo na própria estação. A funcionária foi superprestativa, tirando todas as dúvidas e me entupindo de folhetos sobre a cidade, o parque e a rede de transportes. Só esqueceu de mencionar um único detalhe que virou uma surpresa desagradável minutos mais tarde. Ela me vendeu o Kasselcard por €9 (mesmo preço para duas pessoas), que dava direito ao transporte ilimitado naquele dia por ônibus ou bondes, e de quebra oferecia desconto em várias atrações. Usei-o  algumas vezes, especialmente no parque, me proporcionando uma boa economia. Não se cobra ingresso para entrar nele, mas em vários de seus monumentos, sim.

A vista desde o Octógono, com o Palácio Wilhelmshöhe mais abaixo. O centro está situado no final da grande reta ao fundo.
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           Dada a diferença grande de altura entre as atrações dentro do parque, considerei uma ideia adequada começar o circuito pelo topo e ir descendo pelas trilhas, visitando os monumentos pelo caminho. Aliás, devido ao desnível, visualmente as atrações no parque parecem estar mais próximas entre si do que realmente estão.

Octógono com o Monumento a Hércules

          Desembarquei do ônibus no ponto junto ao Monumento a Hércules.  A previsão do tempo indicava que o sol abriria com o decorrer da manhã, mas não foi isso que aconteceu. Naquele dia muito nublado, parecendo que choveria a qualquer momento (contrastando totalmente com o sol do dia anterior em Erfurt), fazia um frio forte no parque, ainda mais na sua parte elevada.

A Cascata e o Octógono com as obras a todo vapor. A água desce a encosta pelos degraus, seguindo parque adentro. 

             E foi aí que bateu a decepção. O Octógono (também conhecido como Monumento a Hércules) estava todo em obras, assim como a escadaria de 350 metros à sua frente que forma a Cascata, tomada por gruas e andaimes. Claramente não haveria o espetáculo das águas  tão cedo. Mas a visita ao Octógono valeu pela vista soberba. Erguida há mais de trezentos anos na época da formação do parque, a construção escura de basalto em formato octogonal tem aparência de castelo mal assombrado. Em cima dela está uma pirâmide com a estátua de Hércules em seu topo, com  mais de oito metros de altura, réplica ampliada de uma escultura em Roma que o retrata em contemplação após a realização dos seus doze trabalhos mitológicos. Dizem que o semideus grego foi o escolhido pelo Conde Karl I por melhor representar o enorme poderio que o governante desejava demonstrar aos súditos. Se notarmos que a estátua foi forjada mais de um século antes de monumentos semelhantes como a Estátua da Liberdade, podemos imaginar como deve ter sido admirada na época da inauguração.
A cena que eu não vi - fonte: wikimedia commons, Dirk Schmidt

         A entrada para o Monumento a Hércules custava €3, mas ao apresentar o Kasselcard o bilheteiro liberou minha entrada sem pagamento. O folheto do cartão indicava desconto de só um euro, mas claro que não questionei e entrei; talvez o ingresso fosse gratuito pelo estado dilapidado do monumento devido aos andaimes. Para falar a verdade,  a vista fantástica desde o topo do Octógono não difere tanto assim da obtida das varandas laterais no lado de fora. Não achei que teria valido a pena se tivesse pagado pela entrada.

A Ponte do Diabo

      Dali fui descendo pelas trilhas na floresta em direção ao Palácio de Wilhemshöhe. Nesta caminhada o recanto mais bonito foi sem dúvida a Ponte do Diabo, em alemão Teufelsbrücke, uma ponte de ferro  para pedestres sobre um pequeno cânion por onde passa a água vinda da Cascata. A ponte forma um trio de nomes inter-relacionados com os vizinhos Lago do Inferno e Grota de Plutão, denominações que não têm absolutamente nada a ver com a beleza do local - de acordo com uma lenda antiga, o deus do submundo teria usado a grota como trono.

Lago da Fonte Grande

           Já na parte mais baixa do parque, cheguei ao Lago da Fonte Grande, onde o espetáculo das águas termina numa fonte de mais de 50 metros de altura. O lago dá de frente para o harmonioso Palácio de Wilhelmshöhe, uma construção neoclássica de fins do século XVIII em formato de ferradura. O Palácio serviu como prisão para o imperador francês Napoleão III após sua deposição e depois como residência de verão do Kaiser Guilherme II. Hoje sedia a Galeria de Arte dos Mestres Antigos, que como o nome indica expõe pinturas de mestres como Rembrandt, Rubens e Ticiano, colecionadas pelo Conde Guilherme VIII, além de esculturas e algumas antiguidades greco-romanas. Apresentando o Kasselcard paguei €4, com a entrada inteira custando €6. A escadaria e os jardins do palácio são um local ótimo para se tirar fotos do parque, como a que abre o post.

O Palácio de Wilhelmshöhe diante do Lago da Fonte Grande
   
           Há um segundo palácio no parque, Löwenburg, construído na forma de um castelo de conto de fadas, com muitas torres e portões. Situado num dos cantos do parque e abrigando um museu de armaduras, estava um pouco fora da rota de descida. Já ao longe divisei os andaimes que o envolviam também, e resolvi não visitá-lo.

Como chegar ao Parque Wilhelmshöhe:

            Para iniciar o circuito do parque pelo seu topo no Monumento a Hércules, deve-se tomar  na estação de Wilhemshöhe o bonde 3 na direção Drusetal até o ponto final. Em seguida, andar alguns metros e aguardar o ônibus 22, saltando na parada Herkules. Já o ponto final do bonde 1 está situado próximo ao Palácio Wilhemshöhe. O parque conta com dois centros de visitantes, justamente ao lado de Hércules e do término da linha do bonde 1.

         Como mencionei, a Cascata do Octógono estava fechada para obras de contenção de vazamento, que devem se estender ainda por vários meses. Normalmente a Cascata é ligada do início de maio ao início de outubro às quartas, domingos e feriados às 14h30min, sendo a água controlada por válvulas e passando ao longo da hora seguinte por pontos diversos do parque, como a Ponte do Diabo às 15h20min , até jorrar na Fonte Grande às 15h45min. Com isto dá tempo aos visitantes para descerem pelos caminhos do parque com calma e aguardarem em cada lugar a chegada da água. Nestes dias, é bom ir preparado para dividir o espaço com muita gente, especialmente nos domingos e feriados. Uma observação pessoal: não entendi a razão de o espetáculo acontecer à tarde, pois as fotos têm que ser tiradas contra o sol, já que as águas descem a encosta vindas da direção noroeste.

Palácio de Wilhemshöhe
           
           Como sobrou tempo devido à inatividade da Cascata, decidi conhecer o centro de Kassel. Tanto o bonde 1 quanto o 3 ligam o parque ao centro percorrendo a Wilhelmshöher Allee, o bulevar que forma uma linha reta longa com o Palácio e o Octógono e passa por bairros nobres e pela Universidade de Kassel.

          Desci em frente à Prefeitura, um dos poucos prédios imponentes do centro, arrasado por bombardeios na Segunda Guerra Mundial. Normalmente quem visita o centro de Kassel está interessado nos seus museus; Kassel tem vários.


A Prefeitura de Kassel

             O mais inusitado é o Museu da Cultura Sepulcral, que trata de assuntos ligados à morte, como sepulturas, caixões, velórios e afins. Definitivamente não faz o meu gênero, ainda mais com as legendas todas em alemão.

           Ao seu lado, o Grimmwelt ("Mundo dos Grimm") é dedicado aos Irmãos Grimm, que viveram por mais de duas décadas em Kassel no início do século XIX, ganhando a vida como bibliotecários. Lá compilaram contos baseados nas histórias do folclore alemão, como Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel e Chapeuzinho Vermelho. O museu mostra a vida dos dois irmãos e como criaram suas obras, com legendas em inglês, e vai interessar mais aos adultos. Para combinar com a atmosfera dos contos, eu esperava encontrar uma construção típica alemã, mas o prédio moderno do museu, inaugurado há pouco mais de um ano, tem uma fachada de pedra bem insípida. Curioso é descobrir que os contos de fadas em sua primeira versão publicada eram mais macabros, parecendo "contos de bruxas": por exemplo, a rainha má de Branca de Neve era sua mãe ao invés de madrasta; já a princesa do sapo que era um lindo príncipe não reverteu a transformação dele com um beijo, mas sim quando com nojo o atirou contra uma parede. Além dos livros que os tornaram lendas no mundo inteiro, os Irmãos Grimm também se dedicaram à montagem de um dicionário extensivo da língua alemã.

                  O Grimmwelt está aberto de terça a domingo das 10 às 6 da tarde exceto às sextas, quando fecha às 8. O endereço é Weinbergerstraße 21, e o ingresso custa €8, descendo para €6 com o Kasselcard.

A escultura Himmelsstürmer - fonte: wikimedia commons, Ralf Roletschek

             Por duas semanas não peguei a documenta, a grande exposição internacional de arte moderna que movimenta Kassel a cada cinco anos. Sempre com duração de cem dias (e por isso apelidada de "Museu dos 100 dias"), a mostra foi exibida neste ano entre junho e setembro, levando centenas de milhares de visitantes à cidade.

             Eu teria achado as ruas do centro bem mais interessantes se tivesse lido os folhetos do escritório de turismo com maior atenção. No mapa do folheto estão marcadas quatorze obras de documentas anteriores que hoje enfeitam as ruas centrais. Um exemplo é a escultura Himmelsstürmer ("invasor no céu"), em frente à Hauptbahnhof, exposta originalmente na documenta de 1997. É o tipo de circuito que adoraria ter percorrido, como fiz em Chicago. Bobeei. E com certeza, quando você visitar Kassel, a lista já estará acrescida de alguma obra instigante advinda desta última exposição de 2017.

                 No próximo post, Wiesbaden, outra cidade cheia de atrações, vizinha de Frankfurt.

⏩➧ Este é o décimo post da série sobre a viagem pelo sul e centro da Alemanha. Para visualizar os demais, acesse  Novo Tour pela Alemanha.



 Postado por  Marcelo Schor  em 13.10.2017   


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