O aeroporto de Hobart fica situado a 17 quilômetros de distância. Para cada voo que chega há um shuttle disponível que leva os passageiros aos hotéis da cidade, ao custo de 20 dólares australianos. Curioso era o lugar onde ia a bagagem - um reboque atrelado à traseira do miniônibus. O único problema é que o shuttle vai parando em cada hotel para deixar os passageiros, e se estiver lotado, como foi meu caso, o traslado pode ser longo.
Como sairia de Hobart para
Launceston por ônibus, escolhi um hotel no centro que fosse perto o suficiente do terminal rodoviário (na realidade uma loja com o ônibus parado em frente) para que eu pudesse ir a pé. A escolha recaiu sobre o
Macquarie Manor. O hotel fica situado num elegante casarão georgiano de 1875 e tem alguns aspectos inusitados: a recepção só funciona de 10 às 5 da tarde e no restante do tempo a porta de entrada fica trancada (você recebe a chave no check-in). Meu quarto era grande, mas ficava situado a meio caminho entre térreo e primeiro andar, na curva da escada. E o quarto centenário não tinha propriamente um banheiro à parte, o box do chuveiro ficava numa reentrância da parede, separado diretamente da cama por uma porta de vidro transparente que ia até a metade da altura. Já o café da manhã incluído na diária era bem básico.
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Victoria Dock e Henry Jones Hotel |
Hobart é aquele tipo de cidade que vai ganhando sua simpatia aos poucos. Um bom ponto de partida para se conhecê-la é a marina, situada na
Victoria Dock. Ao longo da rua que a margeia, a Hunter Street, se situam os armazéns de uma antiga fábrica de geleia, que foram transformados no hotel mais carismático da cidade, o luxuoso Henry Jones Art Hotel, não por acaso o dono da tal fábrica. O logotipo da indústria ainda enfeita a fachada do hotel. O final da Hunter Street era uma ilha e a rua e os armazéns surgiram quando aterraram o canal pouco depois da fundação de Hobart.
A marina é o ponto de chegada de uma das mais famosas competições de iatismo, a regata Sydney-Hobart, que percorre uma distância de 1.170 quilômetros no oceano. Os barcos partem de Sydney na dia seguinte ao Natal (também feriado nos países de colonização inglesa), chegando a Hobart nas vésperas do Ano Novo e trazendo um colorido especial aos festejos. É curioso observar a evolução da tecnologia: os mais de seis dias que o primeiro veleiro vencedor levou para fazer o trajeto em 1945 se transformaram em somente um dia e meio em 2016. Aguarda-se novo recorde para os próximos dias.
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A bela estátua homenageando a chegada ao Polo Sul |
Na ponte que atravessa a Victoria Dock chama a atenção a estátua de
Roald Amudsen, o explorador norueguês que foi o primeiro homem a chegar ao Polo Sul em 1912. Mas o que faz essa estátua em Hobart? Foi na capital da Tasmânia que Amudsen comunicou ao mundo o seu feito, na porta do prédio dos Correios, um dos mais emblemáticos da cidade situado diante da praça principal. Dizem que os hobartianos não deram a menor bola à novidade, o que teria deixado o explorador furioso. Aliás, sendo uma das capitais mais próximas do Polo, Hobart é sede de organizações de pesquisa na Antártica, além de ponto de partida frequente de tours e voos ao continente gelado.
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O prédio dos Correios junto à Franklin Square |
Ainda na orla, a
Salamanca Place é um lugar curioso, formado por antigos armazéns, que constituem um conjunto harmonioso de prédios em estilo georgiano. Os armazéns hoje revitalizados abrigam galerias de arte e pubs. O largo deve seu nome espanhol à Batalha de Salamanca, ocorrida em 1812 e ganha pelo Duque de Wellington, o mesmo que derrotou Napoleão em Waterloo. Aos sábados a Salamanca Place é tomada por uma feira onde se encontra de tudo à venda, desde comidas típicas a artesanato e diabos-da-tasmânia de pelúcia. Estes animais com jeito de fera típicos da Tasmânia ficaram famosos mundo afora através do enfezado personagem Taz. Na versão em pelúcia, no entanto, eram bem fofos.
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Sucessão de bares na Salamanca Place num final de tarde de sexta-feira |
Atrás da Salamanca Place, uma colina abriga o bairro mais pitoresco de Hobart, o histórico
Battery Point. O nome se refere aos canhões instalados nos primórdios da cidade para protegê-la de invasões, e que jamais foram usados para defesa até serem retirados. Repleto de casas antigas, o bairro pode ser alcançado por uma escadaria a partir da praça. Seu lugar mais característico é a charmosa
Arthur's Circus, uma pequena praça circular. A pracinha está rodeada de casas dos anos 1840 que parecem saídas de uma vila do interior da Inglaterra, construídas originalmente para abrigar os oficiais da guarnição que tomava conta de Hobart, na época começando a deixar de ser uma colônia penal. Passear pelas ruas bucólicas é programa obrigatório e sua rua principal, Hampten Road, abriga alguns restaurantes. Quem nasceu em Battery Point foi Errol Flynn, astro de Hollywood famoso por filmes de capa-e-espada nas décadas de 30 e 40.
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Arthur's Circus |
Um outro lugar com todo jeito de Inglaterra é o
St. David's Park, um parque que no século XIX foi o primeiro cemitério da cidade. Por isso, de vez em quando se topa com algum memorial em meio às aleias verdejantes. Apesar de o cemitério ter sido desativado há quase 150 anos, a maioria dos mortos continua enterrada até hoje debaixo da grama.
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St. Davis Park |
Como toda capital australiana, Hobart também tem seu memorial aos soldados mortos nas guerras. O
Cenotáfio é um obelisco com toques em art-déco erigido pouco após a Primeira Guerra Mundial, cujas inscrições foram sendo expandidas ao longo das décadas com novas guerras em que os australianos participaram, como as Guerras do Vietnã e do Golfo. Por estar situado num promontório, o local tem vistas fabulosas do rio Derwent e da Tasman Bridge, que liga Hobart ao aeroporto.
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O Cenotáfio de Hobart |
Um museu interessante situado na orla é o
Tasmanian Museum and Art Gallery, que ocupa um dos prédios mais antigos de Hobart e cuja entrada é gratuita. É o típico museu de mil e uma utilidades, que versa sobre vários assuntos ligados à Tasmânia além das obras de arte propriamente ditas. As seções que achei mais cativantes foram a que trata dos primeiros tempos de Hobart, que tinham presença maciça de condenados ingleses cumprindo pena, e a dedicada aos aborígenes, habitantes originais da Tasmânia, submetidos a vários massacres e exílios. A última aborígene conhecida foi Truganini, que faleceu em 1876 aos 64 anos. Seu esqueleto ficou exposto por exatos cem anos no museu, mas finalmente conforme seu apelo original seus restos foram cremados e espalhados nas águas da
Bruny Island, a linda ilha que visitei numa excursão dois dias depois.
Mas a seção que roubou a cena foi a do
tigre-da-tasmânia, animal típico da ilha extinto em 1936, após ter sua caça incentivada por décadas devido a ataques a rebanhos de ovelhas. Sua denominação oficial era tilacino. O nome coloquial se deve às listras no seu dorso, mas o animal, que mais parecia um cachorro selvagem ou um lobo, era na realidade um marsupial como o canguru. Só que um marsupial carnívoro, com a característica rara de o macho também possuir bolsa no seu ventre. No museu há um exemplar empalhado, além de um filmete em preto e branco em que aparece o último tigre, ainda vivo no zoológico de Hobart. Entretanto há gente que jura que a espécie não acabou, e alguns alegam ter presenciado uma aparição sua na mata, gerando imensa publicidade na mídia. Sete de setembro, data da morte do último tigre, vítima de hipotermia ao ser deixado fora da jaula na noite gelada de inverno, é na Austrália o Dia Nacional das Espécies Ameaçadas.
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O curioso tigre-da-tasmânia no Tasmanian Museum |
Mas o museu mais conhecido de Hobart é o
MONA - Museum of Old and New Art. O MONA foi construído em 2011 por um milionário tasmaniano que o populou com mais de 400 obras do seu acervo. Hoje o museu é um chamariz que atrai em média mil visitantes por dia. Situado às margens do rio Derwent a onze quilômetros de Hobart junto a um vinhedo, é um museu controverso, de onde é impossível sair sem opinião formada, seja positiva ou negativa.
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O barco que liga Hobart ao MONA |
A forma mais comum de se chegar ao MONA a partir de Hobart é por barco, que sai do Elizabeth Pier sete vezes por dia. Adquiri o tíquete conjunto do cruzeiro e museu por 50 dólares australianos, cerca de 38 dólares americanos. O único problema é que você compra a volta com horário marcado, já pré-definindo o seu tempo de estadia no museu. De qualquer forma, se você quiser esticar ou diminuir a permanência, pode trocar o bilhete do barco no museu com até quinze minutos de antecedência. O passeio de barco levou meia hora e foi ótimo, avançando rio Derwent adentro e fornecendo uma boa vista de Hobart e do Monte Wellington.
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Não, o barco não transporta ovelhas. São bancos para as pessoas sentarem apreciando a paisagem do rio. |
Após o desembarque, você entra no museu parcialmente subterrâneo pelo seu topo e desce uma escada em espiral. Lá embaixo recebe um iPod e um audiofone, e através do iPod vai consultando as informações sobre cada obra exposta, subindo cada nível até o andar da entrada. Com arquitetura fora do comum, não há janelas, a iluminação é difusa e se atravessa longos corredores, tornando o local um tanto claustrofóbico. A primeira obra encanta, uma cascata de palavras aleatórias descendo pela parede, mas a exposição em si foi uma decepção; apesar de algumas obras instigantes, outras tinham conteúdo erótico ou repulsivo, e muitas eram tão simplórias que não dava para entender o que faziam ali. Para se ter uma ideia, a obra mais famosa do acervo é uma máquina que emula o aparelho digestivo e transforma ao vivo alimentos em excrementos, cujo nome oficial é Cloaca. Bem, já deu para perceber que faço parte dos visitantes que tiveram impressão negativa. Aliás, os turistas das excursões dos dias seguintes com quem conversei também não gostaram, incluindo dois tasmanianos vindos de Launceston, para quem a entrada no MONA é gratuita.
O que achei engraçado foi que o ambiente no pátio externo do museu era o oposto, com uma atmosfera bem mais leve. Havia uma banda tocando música e uma escultura espetacular em metal de um caminhão carregando outro. Outro aspecto inusitado para os brasileiros é o nome do festival de música nas dependências do museu que acontece anualmente em janeiro: Mofo.
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Os caminhões de ferro no pátio do MONA |
Para conhecer o MONA, deixei de visitar o mirante do Monte Wellington, que tem vistas arrebatadoras para toda a região. Como podem ver pela foto que abre o post, a montanha de 1270 metros de altura estava coberta por nuvens no meio da manhã, mas à medida que o dia avançava o céu limpou. Ainda bem que arrependimento não mata...
No
próximo post, a primeira excursão a partir de Hobart: Port Arthur, o presídio de "segurança máxima" de duzentos anos atrás, hoje uma das atrações mais visitadas de toda a Austrália.
⏩➧ Este é o segundo post da série sobre a Tasmânia. Para visualizar os demais, acesse Tasmânia, a ilha deslumbrante ao sul da Austrália.
Postado por Marcelo Schor em 14.12.2017
Parabéns pela bela reportagem.
ResponderExcluirCa, muito obrigado.
ExcluirAdorei suas dicas Marcelo! Vou avisar para família!
ExcluirValeu, Deby!
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