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Bruny Island, onde natureza e gastronomia se misturam

Praia de Adventure Bay, parte sul de Bruny Island 

        Se no dia anterior da minha estadia em Hobart eu tinha me maravilhado com a história e paisagens de Port Arthur, agora eu embarcaria em uma aventura inédita para mim: o tour a Bruny Island, que propunha apresentar a natureza exuberante da ilha em meio a provas de especialidades gastronômicas do local. Em resumo, como os organizadores denominaram, um tour gourmet. Eu tinha duas opções de tour, este e um outro que visitava as atrações e fazia um cruzeiro de barco de três horas de duração. Com minha experiência de turista, considero três horas exagerado para um passeio náutico e então escolhi o tour gourmet, mesmo porque em caso de chuva o passeio de barco seria uma furada completa; por sinal, o dia amanheceu ensolarado, mas as nuvens foram aumentando progressivamente até a chuva desabar na madrugada seguinte, dia de partida para Launceston, no norte da Tasmânia.

Mapa de Bruny Island

            Bruny Island é uma ilha, situada ao sul de uma ilha maior, a Tasmânia, que por sua vez se localiza ao sul de uma ilha-continente, a Austrália. Parece uma coleção de matrioshkas, cada vez diminuindo mais o tamanho... Se bem que Bruny não é tão pequena assim, seu comprimento alcança setenta quilômetros. Ligada ao continente por ferry, tem um formato bem estranho: parece ser formada por duas ilhas distintas, ligadas por um  istmo, batizado simplesmente de The Neck. Não existem núcleos urbanos significativos em Bruny Island e a natureza está bem conservada. Cada um dos dois pedaços da ilha tem aparência diferente, com North Bruny coberta de pastagens  e South Bruny bem mais montanhosa e selvagem, com florestas de eucaliptos. Uma característica da ilha são lojas ou restaurantes espalhados por toda a sua extensão, cada uma com sua especialidade, e o propalado tour gourmet nada mais era que paradas nestes locais com direito a prova dos petiscos, variando de queijos a chocolates e ostras. A comilança era intercalada com visitas às atrações naturais da ilha.

Kettering, de onde sai o ferry para Bruny Island, emoldurada pelos morros da costa da Tasmânia

            Rick, o guia da Bruny Safari Tours, passou no hotel bem cedo para me pegar às 7:05. Se na excursão anterior eram seis viajantes, nesta o número era ainda menor, quatro, além de mim um casal idoso de Launceston (claro que aproveitei a oportunidade única para pegar dicas do que fazer por lá) e uma jovem de Singapura. Rick comentou que na véspera, um domingo, tinham sido 32 excursionistas. Após meia hora de viagem, alcançamos o porto de Kettering, onde embarcamos na balsa que nos levaria a Bruny Island, uma travessia rápida de quinze minutos. Por ser uma manhã de segunda, a fila para o ferry era bem pequena. Nos fins de semana pode ficar quilométrica, perdendo-se tempo considerável na espera. A estação de barco em Kettering tem um escritório de turismo, com vários folhetos sobre atividades em Bruny Island, além de uma lanchonete. O mapa disponível no escritório contém todas as lojas mencionadas neste post, com produto, endereço e localização apontada.

A vista maravilhosa do sul de Bruny Island que não pude vislumbrar - fonte: Creative Commons Stephen Edmonds

             Atravessamos direto a menos interessante North Bruny e chegamos ao The Neck. E aí tive uma grande decepção. Pelo que tinha lido, uma das paisagens mais bonitas de Bruny Island é obtida do alto do mirante do The Neck, onde se descortina o istmo e South Bruny, após galgar muitos degraus de madeira.  Pois bem, não só a estrada que une as duas partes estava em obras, como o acesso ao mirante estava interditado. A linda vista tinha ido para o brejo... Com isto fiquei também sem conhecer o memorial em honra de Truganini, a última aborígene nascida na ilha cuja  epopeia triste contei no post sobre Hobart.  Sem poder parar, a van atravessou direto o istmo, rumo a South Bruny. O prazo para reabertura do mirante era dezembro; como se trata da Austrália, o cronograma da obra foi cumprido à risca.

Pinguins-fadas no zoológico de Sydney

           The Neck é também um ponto de reprodução da menor espécie de pinguins do mundo, conhecidos como pinguins-fadas, somente encontrados no sul da Austrália e na Nova Zelândia. Os pinguins montam suas tocas nas dunas de areia do istmo. Eles aparecem em Bruny Island de outubro a fevereiro e a melhor hora para vê-los é no pôr do sol. Na realidade eu já tinha tido oportunidade de apreciar estas simpáticas aves de somente 40 cm de comprimento no Taronga Zoo em Sydney. Estima-se que haja mais de 120.000 pinguins-fadas na Tasmânia.

           Uma outra ave que procria nas areias do istmo é a pardela (em inglês australiano "muttonbird", devido à semelhança da textura da sua carne com a de cordeiro).  As pardelas dividem seu tempo todo ano entre a Austrália e o Alasca, perfazendo a mais longa migração de pássaro que se tem notícia, 15.000 quilômetros. As pardelas costumam passar em fila pela linha do equador em meados de outubro, ou seja, estavam ainda em pleno voo migratório quando visitei Bruny Island.

Adventure Bay 

               Já em South Bruny nosso primeiro destino foi Adventure Bay. Esta baía em formato de ferradura foi onde Abel Tasman aportou quando descobriu a Tasmânia em 1642. Sendo um lugar abrigado, se transformou em porto seguro para os barcos que singravam aquelas paragens nos séculos seguintes. O mais famoso dos comandantes que passaram por lá foi o lendário Capitão James Cook, durante sua segunda viagem pelo Pacífico em 1777, dois anos antes de ser assassinado por nativos no Havaí. O navegador inglês por sinal batiza um rio que deságua na baía.

Primeira prova gastronômica na praia de Adventure Bay

                 Nosso guia  havia feito uma rápida parada misteriosa numa casa em North Bruny, voltando à van com uma sacola. Quando chegamos em Adventure Bay, nos deparamos com uma bela praia completamente deserta. Rick então nos conduziu a uma mesa de madeira na beira da areia e retirou da dita sacola pães, queijos e azeite. Era a primeira prova do dia e Bruny Island é conhecida pelos queijos fabricados a partir do leite de suas vacas e cabras. A minirrefeição com jeito de piquenique praiano foi aprovada por todos; esta fábrica de queijos foi nossa penúltima parada à tarde, mas pelo que me recordo, ninguém comprou os queijos. Este esquema que deu um sabor especial à visita à praia foi uma exceção durante o tour, todos as demais provas foram feitas nas próprias lojas.

Um wallaby fazendo pose de canguru

             Atravessamos a ilha rumo ao lado oeste, seguindo pelas montanhas por um estrada secundária estreita e curva. Esta é a área da Reserva Florestal de Mangana, propícia para avistar marsupiais australianos. No caso, wallabies, que são um tanto menores que cangurus, mas se parecem muito com eles, especialmente aqueles com pelagem marrom. Levamos azar, vimos poucos exemplares, e só um do bonito wallaby branco, que comia quieto no fundo de uma propriedade. Não deu para fotografá-lo.

Farol Bruny. O efeito de perspectiva da foto engana, a porta não era tão pequena assim...

         Adentramos o South Bruny National Park e seguimos então para o Cabo Bruny, na extremidade sul de Bruny Island, para mim a melhor parte da excursão. No topo de um penhasco, aparece imponente o Farol Bruny, inaugurado em 1838 e sendo portanto o segundo farol mais antigo da Austrália ainda existente. Para quem leu meus posts anteriores sobre a Tasmânia, nem preciso mencionar que o farol foi erguido com o trabalho de condenados.

        O Farol Bruny faz parte do conjunto exclusivo de faróis que ocupam posições extremas meridionais em seu continente voltados para a Antártica, assim como seus congêneres no Cabo Horn e no Cabo da Boa Esperança. O farol, inicialmente funcionando com óleo de baleia, norteou o trajeto de milhares de embarcações até sua aposentadoria em 1996, já com eletricidade, quando foi substituído por outro farol mais moderno, iluminado graças à energia solar, erguido do outro lado da baía um pouco mais ao norte.

A escadaria centenária em espiral que leva ao topo do farol

              Esta foi a única excursão que achei que incluía uma visita ao farol e o guia confirmou que a visita é monopólio da agência dele (aparentemente houve uma licitação pelo governo). Ou você faz o tour ou chega de carro e paga dez dólares australianos para entrar no farol, desde que não haja ninguém do tour em visita. Quase não acreditei quando o responsável pelo farol moveu em uma hora o ponteiro do relógio na porta que mostrava a próxima visita disponível, destrancando então a porta do farol para que entrássemos.

A lanterna do farol, com 13 metros de altura e a 93 metros das águas geladas abaixo.

               Claro que não perdi a oportunidade e junto com a singapurense subi ao seu topo para ver a lanterna de perto e apreciar a vista sensacional em 360 graus lá de cima do pátio externo. A escada em espiral de ferro fundido instalada há 114 anos vai se estreitando à medida que subimos até alcançar a lanterna. Fiquei imaginando quanto tempo as 32 pessoas da excursão do dia anterior não levaram para todos poderem subir e descer aqueles degraus estreitos. Junto ao estacionamento há um pequeno museu contando alguns aspectos da história do farol e apresentando maquinaria antiga.

Vista do farol para oeste: Quiet Bay

Vista do farol para o sul: Court Island - seria a ilhota ao sul da ilha ao sul da ilha ao sul da Austrália?

Vista do farol para leste: Lighthouse Bay

           A tarde já começava a avançar e voltamos pela estrada até alcançar Alonnah (que junto com a localidade vizinha de Lunawanna forma o nome aborígene da ilha). Lá almoçamos no Hotel Bruny. Como se tratava de um tour gourmet, havia várias opções típicas a escolher na refeição incluída no preço do tour. Tendo visto tanta ovelha na Tasmânia, optei por um cordeiro, "braised shoulder of lamb", assado lentamente em molho de cerveja e do mel local e acompanhado por batatas e legumes . Muito saboroso, aprovei com louvor. Após o almoço, foi feita uma prova de cidra no anexo para aqueles que quisessem.

            Daí até o retorno para Hobart foi uma sucessão de degustações: primeiro, não podia faltar a loja de venda de mel com seus vários tipos, pois Bruny também é conhecida pela qualidade do produto de suas abelhas, e em seguida foi a vez da prova na loja de chocolates. O fudge era bem gostoso e até considerei levar algumas caixas até ler o rótulo: "este chocolate deve ser conservado em temperatura ambiente, de 5 a 17°C". Uma pena, desisti na hora. Após atravessar novamente o istmo, fizemos a parada na fábrica de queijos que mencionei, e finalmente num restaurante de ostras, cultivadas na baía em frente. Para mim, esta parada foi a mais chata, pois não gosto do sabor do molusco. Sorte dos demais excursionistas, que tiveram para si um número maior de ostras para degustar.

A charmosa loja de chocolates. Note a van do tour refletida no espelho.

            Em resumo gostei da excursão, apesar da frustração de não ter podido subir ao mirante do The Neck. Ficou a impressão de Bruny Island ser uma visão em miniatura do que a Tasmânia tem a oferecer: paisagens costeiras magníficas em um parque nacional com natureza bem conservada, praias selvagens, trilhas em abundância, animais exóticos espalhados e nada de multidões em cada lugar turístico (pelo menos numa segunda-feira de primavera). Só faltou a arquitetura inglesa das cidades tasmanianas, mas isto eu apreciaria de sobra no dia seguinte em Launceston, minha última estadia na Tasmânia e assunto do próximo post.

⏩➧ Este é o quarto post da série sobre a Tasmânia. Para visualizar os demais, acesse  Tasmânia, a ilha deslumbrante ao sul da Austrália.


 Postado por  Marcelo Schor  em 11.01.2018


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