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Launceston - o desfiladeiro fica ao lado

Cameron Street em Launceston

              Launceston é a segunda cidade em população da Tasmânia, com 85.000 habitantes, situada no norte da ilha. Repleta de construções que lembram o interior da Inglaterra, Launceston conta com um diferencial que me fez decidir pernoitar por lá antes de rumar para Melbourne: um desfiladeiro fluvial colado à cidade mas que, praticamente intocado, parece estar a muitos quilômetros de distância. 

Marina junto ao início do rio Tamar

           Choveu bastante durante boa parte das três horas de percurso rodoviário entre Hobart e Launceston, mas o sol abriria pouco após minha chegada. A viagem transcorreu sem incidentes pela boa estrada tasmaniana, com o ônibus parando algumas vezes para pegar passageiros no trajeto. A rodovia 1, que une as duas maiores cidades da Tasmânia, é a principal do estado e recebe o pomposo nome de Heritage Highway. Quem aluga carro pode gastar tempo bem maior visitando os vilarejos e fazendas coloniais no caminho, cercado de pastagens.

          Hospedei-me em Launceston no hotel The Sebel, com quarto espaçoso e convenientemente localizado a apenas um quarteirão do terminal rodoviário (ao contrário de Hobart, era um terminal de ônibus tradicional), na borda do pequeno centro da cidade. O hotel só pecou na minha saída, o shuttle para o aeroporto que pedi para agendarem simplesmente não apareceu e tive que pedir para chamarem um táxi de última hora que me custou o dobro. Pelo menos a motorista era muito simpática e ficamos batendo papo durante todo o trajeto curto de quatorze quilômetros.

A torre dos Correios, cujo prédio hoje abriga o escritório de turismo

             Launceston, fundada em 1805, se localiza exatamente na confluência dos dois rios que formam o Rio Tamar, um dos mais importantes da Tasmânia. O Tamar deságua na costa norte e seu vale abriga uma região de vinhedos, responsáveis por 40% da produção de vinhos no estado. O clima mais temperado é propício para o cultivo das uvas, especialmente as do tipo Pinot Noir e Chardonnay. Por sinal, Launceston é cidade irmã da californiana Napa.

Holy Trinity Church

            A cidade em si tem um ritmo calmo de cidade do interior. Ao caminhar por suas ruas o que chama a atenção são as inúmeras construções com  arquitetura vitoriana, sejam casas imponentes ou prédios públicos de tijolos vermelhos como o dos Correios e a Holy Trinity Church,  uma igreja anglicana erguida em 1902. Ambos estão situados na mesma rua, a Cameron Street, uma das vias com maior representatividade da arquitetura colonial. O fato de o casario mais chamativo datar das últimas décadas do século XIX reflete a época do auge da cidade, quando o dinheiro abundava por ser o centro da atividade de mineração que dominava o norte da Tasmânia.


Aspectos do City Park

          Outro ponto de interesse são os parques, a maioria situada à beira do rio Tamar. Fora desse eixo,  no fim da Cameron Street surge o mais belo deles, o City Park. Para não fugir à regra, parece que estamos numa área verde londrina, ainda mais que muitas espécies de árvores são nativas da Grã-Bretanha. Com coreto e fontes elaboradas, o parque tem uma atração improvável, um viveiro de macacos com entrada gratuita. Com efeito, todas as pessoas na Austrália com quem comentei que visitaria Launceston deram recomendação similar: "Don't miss the monkeys". Os cerca de trinta macacos que me pareceram babuínos fazem as macaquices habituais num canto isolado do parque para deleite de adultos e crianças. O que me surpreendeu foi a designação estampada numa placa no viveiro de pedras: "Japanese macaques". Eu nunca tinha ouvido falar desta palavra em inglês, mas ela existe para designar um tipo específico de macacos. Quanto à menção ao Japão, eles foram presenteados há quarenta anos por outra cidade irmã, a japonesa Ikeda. Os macacos, também conhecidos como "snow monkeys" por habitarem florestas altas, estiveram ameaçados há alguns anos quando se descobriu que eles portavam herpes, contagiosa e até perigosa para os seres humanos; pensou-se em eutanásia, mas o protesto dos cidadãos de Launceston foi enorme e optaram então por uma reforma no viveiro, isolando-os e melhorando suas condições. Desta forma os simpáticos símios de focinho vermelho não tiveram o destino do tigre-da-tasmânia, marsupial antigamente exposto no parque e extinto há oito décadas.

Os macacos japoneses no City Park.

           No meio da tarde segui o curso do rio Tamar até a Kings Bridge, uma ponte em arco de ferro forjado junto à embocadura do rio South Esk, construída na Inglaterra, carregada por flutuação no rio  e inaugurada em 1864. Ao passar pela ponte, levamos um susto ao descortinarmos o longo desfiladeiro que se inicia ali. Como pode o panorama mudar tão radicalmente? Você está caminhando às margens de um rio largo cercado de casas e de repente, descortina um cânion em estado muito parecido ao da época de fundação de Launceston.

Kings Bridge e o início do Cataract Gorge, com a cidade por trás da ponte

           O Cataract Gorge é um desfiladeiro fluvial que se estende por 1,5 quilômetro ao longo do parte final do South Esk River antes de este formar o Tamar, cercado em ambos os lados por paredões rochosos quase verticais cobertos por floresta. Existem dois caminhos que acompanham o desfiladeiro. Do lado direito ou norte, uma trilha relativamente plana rente ao curso d'água e de percurso fácil, a Cataract Way; do lado esquerdo ou sul, uma trilha que sobe e desce pelo morro, conhecido pelo nome apropriado de Zig-zag Way. Os mais comodistas devem sem dúvida usar o caminho da direita. Outra possibilidade é ir por um e voltar pelo outro.

Cataract Gorge com a Cataract Way à direita

             À medida que fui acompanhando o rio, o leito foi ficando cada vez mais pedregoso. Após uma curva, a paisagem muda  novamente. Surge um pequeno lago, o First Basin, cercado por algumas edificações. Há dois outros lagos rio acima, enquanto o quarto foi sepultado pela construção na década de 50 de uma represa  que minorou o problema das inundações catastróficas que Launceston sofre periodicamente. De qualquer forma, o rio ainda enche muito rapidamente de uma hora para outra, portanto é bom estar atento em caso de chuva. Muita gente afirmava que o First Basin tinha uma profundidade abissal, mas medições efetuadas há seis anos finalmente apresentaram um resultado mais realista: dezenove metros. Quanto à represa de Trevallyn, também trouxe uma surpresa há alguns anos para os habitantes de Launceston: o surgimento de águas-vivas de 2 cm de largura em suas águas. Acredita-se que suas larvas tenham sido levadas por pássaros.

Parte final do Cataract Gorge com First Basin ao fundo

              Ao alcançar First Basin, a trilha chega a Cliff Grounds, uma área elevada onde se destaca um restaurante com uma pérgula à frente, envolto por jardins de plantas exóticas. Mais uma vez a sensação é que você voltou à época da Rainha Vitória. E o conjunto foi mesmo inaugurado no final do século XIX, após a inauguração da trilha, quando a nata da sociedade enriquecida de Launceston bancou as obras do lugar para aproveitar o recanto natural nos seus momentos de ócio.

O teleférico passando sobre a ponte pequena e sobre a ponta do First Basin rumo ao restaurante

               Do outro lado do lago há um gramado no nível da água e uma piscina mundana que deve ser bastante usada no verão, mas quebra totalmente o encanto do lugar. Para transitar entre os dois lados do First Basin, entre o restaurante no alto e o gramado embaixo (onde desemboca a Zig-zag Way) há três maneiras. A primeira é descer por um caminho e atravessar o rio por uma ponte pequena que desaparece sob a água quando a vazão aumenta. A segunda é por uma ponte suspensa sobre o rio onde este desemboca no First Basin. Estas duas alternativas formam um ótimo loop para se caminhar.

             Já na terceira, a única paga (12 dólares australianos a ida), se fica comodamente sentado em um teleférico aberto (chair lift), que detém o recorde de vão livre do mundo neste tipo de transporte -  de um comprimento total de 458 metros, 308 formam o vão central suspenso sobre o lago. A vista durante a travessia elevada é um adicional muito bem-vindo à aventura.

First Basin e Alexandra Bridge

               Quando passamos pela Alexandra Suspension Bridge, ela chacoalha um pouco. Há até um aviso na cabeceira da ponte solicitando aos usuários que não se balancem durante a travessia. Imagine o que aconteceria se fosse no Brasil... Parei minhas explorações por ali, dando meia-volta rumo à cidade, mas quem quiser prosseguir por 45 minutos rio acima chegará a uma hidrelétrica construída em 1895. A Duck Reach foi a primeira usina pública construída em todo o Hemisfério Sul, e forneceu eletricidade a Launceston por 60 anos. Constantemente atingida pelas inundações e já não atendendo à demanda, foi desativada e substituída pela outra usina maior situada mais adiante, abrigando hoje um museu com sua história.

               A área do First Basin também dispõe de um estacionamento do lado do gramado. Uma rua alcança o complexo contornando o desfiladeiro. Quem vem de carro portanto percorre a pé o Cataract Gorge no sentido inverso.

Prestes a atravessar a Alexandra Bridge. Não parece, mas balança. 

           Surpresa tive ao retornar ao hotel no fim da tarde após tanta caminhada. Ao me ver, a sorridente recepcionista, a mesma que agendou o shuttle "fantasma", perguntou o que eu tinha achado dos pavões. Pavão?? Mas os animais mais famosos da cidade não eram macacos? Pois é, parece que os jardins à beira do First Basin abrigam exemplares da ave de cauda multicolorida, uma tradição existente desde os tempos vitorianos. O único problema foi não ter visto qualquer sinal deles. Estariam recolhidos descansando devido ao súbito aumento de temperatura naquela tarde?

Escola em Lauceston

            Launceston também tem na gastronomia um dos seus pontos fortes e na minha única noite por lá jantei no restaurante Cataract on Paterson. O nome já mostra sua localização, na Paterson Street, entre o belo prédio em tijolinhos da faculdade e o começo do desfiladeiro. Estava ansioso por comida italiana desde a noite anterior em Hobart, quando me deparei com um restaurante de nome genial, Marcelo's 😃, mas fechado naquela segunda-feira. Escolhi um nhoque de ricota ao pesto, que vem com espinafre, abóbora, pinhão e tomate seco. Estava gostoso, só achei que o sabor do nhoque se perdeu no meio de tantos outros ingredientes da mistura.

          Com este post terminam os relatos sobre meus dias nessa ilha fantástica chamada Tasmânia. Nos próximos posts da viagem à Austrália: Melbourne e a Great Ocean Road.


⏩➧ Este é o último post da série sobre a Tasmânia. Para visualizar os demais, acesse  Tasmânia, a ilha deslumbrante ao sul da Austrália.


 Postado por  Marcelo Schor  em 21.01.2018 

2 comentários:

  1. Olá. Vc lembra em média quanto custou cada dia entre alimentação, hospedagem e passeios?

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    1. Boa tarde. Os tours na Tasmânia saíram em média 90 dólares americanos. A passagem entre Hobart e Launceston foi comprada on-line por 42 dólares australianos. Não me recordo do custo da hospedagem e alimentação, mas os preços não diferiram muito dos de Melbourne.

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