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Dois dos Doze Apóstolos banhados pelo Oceano Índico na costa da Great Ocean Road |
Dediquei um dos meus dois dias inteiros de estadia em Melbourne para percorrer uma das atrações mais conhecidas da Austrália, a Great Ocean Road. Acompanhando o litoral do estado de Victoria por 243 quilômetros, a estrada dá acesso a monumentos naturais extasiantes, como os Doze Apóstolos e o desfiladeiro de Loch Ard.
A Great Ocean Road se inicia a 105 quilômetros de distância a sudoeste de Melbourne. Com vários atrativos entre rochedos altos saltando do oceano, praias e vilas costeiras espalhados pelo caminho, o melhor é percorrer o trajeto por carro ou embarcar em uma das muitas excursões oferecidas em Melbourne. O inconveniente das excursões é que quase todas passam pelas atrações no mesmo horário, causando um problema de superlotação nos locais mais procurados. Nada grave na segunda quinzena de outubro, ainda baixa temporada, mas que deve ser angustiante nos meses de verão. Uma alternativa seria reservar um tour que percorre a estrada no sentido inverso (sim, esta opção existe), mas a questão é que as cerejas do bolo ficam na parte final da estrada e seriam visitadas primeiro, numa espécie de anticlímax. Sem contar que um dos locais mais bonitos que visitei e justamente a última parada, London Bridge, estaria com a vista contra o sol.
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Pórtico homenageando a construção da Great Ocean Road |
A Great Ocean Road foi construída por soldados egressos da Primeira Guerra Mundial entre 1919 e 1932 numa área que já foi conhecida como Costa dos Naufrágios. Hoje é considerada uma das estradas cênicas mais bonitas do planeta. Há alguns anos foi inaugurada a
Great Ocean Walk, uma trilha de cem quilômetros que em grande parte acompanha um trecho da rodovia, de Apollo Bay até os Doze Apóstolos.
Escolhi para o passeio a AAT Kings, uma das grandes operadoras de Melbourne e tudo correu conforme o previsto. O guia dublê de motorista era tranquilo, fornecendo informações precisas em inglês. O tempo foi adequado em cada atração, com várias paradas sem necessidade de correria, que é uma das minhas preocupações nesse tipo de excursão. Numa sexta-feira eram 21 pessoas de vários continentes; da América do Sul eu e um argentino. O tempo total da excursão foi de doze horas e fui pego nas cercanias do meu hotel.
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Lorne Beach, uma das mecas de surfistas australianos |
Os primeiros quilômetros da Great Ocean Road são uma sucessão de praias em meio a morros, sendo
Lorne Beach uma das mais conhecidas. Mesmo estando em meados da primavera, o frio matinal impediu que encontrássemos algum banhista nas praias. A temperatura iria subir progressivamente até chegar aos 26 graus no final da tarde, quando todos nós já tínhamos nos livrado do casaco há muito. A parada para o almoço (não incluído no preço do tour) foi na cidade de
Apollo Bay, que dispõe de vários restaurantes ao longo da avenida principal. Verdade seja dita, achei sua praia a menos atraente de todas as que visitei naquele dia.
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Cumberland River Beach |
Após o almoço, percorremos mais cem quilômetros pela Great Ocean Road até alcançarmos aquela que é considerada a maior atração de todo o estado de Victoria: os
Doze Apóstolos. São oito rochedos de calcário contíguos junto ao litoral, dentro do Port Campbell National Park, com altura de cerca de 50 metros em meio às águas.
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Doze apóstolos |
As rochas foram formadas ao longo de milhões de anos, fruto da erosão do calcário provocada pelos ventos e pelas ondas. De tempos em tempos, o número de apóstolos diminui; o nono, um dos mais próximos do mirante, desabou em 2005. Eras atrás partes integrantes do continente, se transformam em ilhas, que um dia desaparecerão.
Naturalmente, Doze Apóstolos é um nome que serve como chamariz poderoso e dificilmente será alterado à medida que mais apóstolos se desintegrem; de qualquer forma, o nome anterior do conjunto era bem mais pitoresco - "A porca e os porquinhos". Só não consegui descobrir qual dos rochedos era a porca.
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Outra vista dos Doze Apóstolos |
A paisagem realmente faz jus à fama, o conjunto dos rochedos no mar com as falésias em terra os acompanhando é fantástico. Como os mirantes se situam no alto do paredão, a visão é bem abrangente. Para sorte dos turistas, há um promontório avançando pelo mar dividindo os apóstolos em dois grupos. Uma trilha no topo do promontório permite obter fotos dos rochedos a partir de um ângulo diferenciado.
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O promontório que avança pelo mar no mirante dos Doze Apóstolos |
A melhor hora para se apreciar os Doze Apóstolos é ao amanhecer ou entardecer, quando a tonalidade do calcário vai se alterando gradativamente com a luz do sol, criando um efeito mágico. Infelizmente visitei o local fora deste horário, no meio da tarde.
Para quem se interessar, há um passeio de helicóptero com voo sobre os rochedos, mas é praticamente impossível fazê-lo para quem está de excursão; se contarmos o tempo de espera, não sobraria tempo para apreciar os Doze Apóstolos de perto, no nível do chão.
O complexo conta com um centro de informações com lanchonete e sanitários, junto do túnel de acesso aos mirantes.
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Razorback no Loch Ard Gorge |
A próxima atração, três quilômetros adiante, conseguiu na minha opinião ser ainda mais bonita que os Doze Apóstolos, com o efeito do sol naquela hora do dia contribuindo bastante para a preferência, assim como a variedade de vistas obtidas.
O
Loch Ard Gorge é um desfiladeiro à beira-mar que também faz parte do Port Campbell Park e que além das rochas rentes à costa ainda possui uma bela praia. O mar estava bem calmo naquela tarde sem nuvens, mas com ventos fortes podem aparecer ondas gigantes que batem impiedosamente contra os paredões, formando um espetáculo único.
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Rochedos Tom e Eva em Loch Ard, batizados em 2009 com os nomes dos náufragos sobreviventes |
O nome Loch Ard é uma homenagem a um navio britânico que afundou no local em 1878. O barco se dirigia a Melbourne com 54 passageiros e tripulantes, quando foi rasgado por um recife em meio à neblina espessa. Só duas pessoas escaparam: um aprendiz de marinheiro de nome Tom que ficou agarrado no casco virado de um barco salva-vidas e conseguiu alcançar a praia hoje chamada de Loch Ard; ele ouviu então os gritos de uma passageira, Eva, e voltou ao mar para salvá-la, tendo em seguida escalado o desfiladeiro em busca de socorro. Por coincidência ou sina o rapaz heroico de 19 anos de idade era enteado do capitão de um outro navio famoso por ter naufragado nas costas australianas três anos antes. O lado mais irônico da história foi que, apesar de quase todos terem perecido no naufrágio do Loch Ard, a carga mais valiosa foi recuperada intacta: um pavão de porcelana hoje em exibição no museu de Warrnambool, a cidade que marca o fim da Great Ocean Road. Seu valor estimado atual é de mais de 3 milhões de dólares.
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O desfiladeiro de Loch Ard |
Do estacionamento partem três caminhos distintos. O primeiro, o mais longo e em forma de loop, dá acesso à vista de uma formação rochosa estreita e estratificada com encosta vertical, conhecida como Razorback. O segundo acessa a praia abaixo a partir de uma escadaria e o terceiro percorre a lateral do desfiladeiro até um mirante com uma vista deslumbrante da praia. O cenário e a cor da água me fizeram lembrar das praias das
ilhas gregas. Uma observação: ao contrário dos Doze Apóstolos, Loch Ard não conta com infraestrutura de serviços, portanto a dica é utilizar as instalações da atração anterior antes de partir.
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Loch Ard em duas vistas de frente uma para a outra, a partir da praia e da ponta do desfiladeiro |
Fizemos a seguir parada para um lanche rápido no vilarejo de
Port Campbell, com pouco mais de 600 habitantes. Além do turismo decorrente da Great Ocean Road, a pesca de lagostins é atividade importante. A vila possui uma praia pequena, com mesa de piquenique e pássaros enfeitando o cenário bucólico.
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A aprazível praia de Port Campbell |
A última atração que visitamos foi o interessante
London Bridge, hoje renomeado como
London Arch. Tenho a impressão que não é visitado por muitas das excursões, o que é uma pena, pois o local é muito bonito, especialmente no fim de tarde. Hoje um rochedo isolado com arco no meio, o lugar por pouco não foi palco de uma tragédia. Até 1990 a pedra era ligada ao continente por um segundo arco, parecendo realmente uma ponte com dois vãos. Sem o menor aviso o arco ruiu (situação semelhante à que ocorreu há poucos meses com a maltesa
Janela Azul), deixando ilhado um casal de primos que tinha passado sobre ele momentos antes e que acabou sendo resgatado por um helicóptero três horas depois. Quando retornou ao local anos mais tarde, o rapaz contou que durante o longo tempo de espera ficou cantarolando uma cantiga de roda inglesa cujo refrão diz "the London Bridge is falling, my fair lady". Puro humor negro... Por sinal, a parte final deste refrão batizou um dos musicais mais famosos da história do teatro moderno.
Aliás, estes desabamentos de arcos são comuns na área. Dezenove anos depois em 2009, o mesmo ocorreria em Loch Ard com o Island Archway, resultando em dois rochedos hoje independentes, Tom e Eva, mostrados em foto acima. Impressiona como estes acontecimentos vêm ocorrendo na área a intervalos cada vez menores. Efeito das mudanças climáticas?
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O rochedo de London Bridge |
O longo trajeto de volta foi feito em parte pelas bonitas e estreitas estradinhas do interior de Victoria em meio a rebanhos bovinos pastando (contraste total com as ovelhas da
Tasmânia) e em parte na autoestrada. O vídeo do ônibus foi enfim utilizado para passar um filme de que eu nunca tinha ouvido falar, estrelado por Kirk Douglas, o astro de Hollywood que completou cem anos no final de 2016. O filme era "The Man from Snowy River", de 1982, e só fui entender a razão de ele estar sendo apresentado ali ao acompanhar a história - a fita australiana conta as aventuras de uma espécie de caubói em fins do século XIX e foi rodada nas paisagens montanhosas do próprio estado de Victoria. Ótimo passatempo enquanto retornávamos à cidade.
Postado por Marcelo Schor em 16.02.2018
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