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Visita de um dia a Estrasburgo

Petite France e a Pont du Faisan

         Estrasburgo (ou Strasbourg no original), a capital da Alsácia, é uma das cidades mais encantadoras da França, situada praticamente junto ao rio Reno, na fronteira com a Alemanha. Um local rico em história e beleza  arquitetônica, onde cada canto convida a uma foto.

           Só nos últimos 150 anos França e Alemanha se alternaram quatro vezes no domínio da Alsácia, o que confere um aspecto peculiar a toda a região. A influência alemã aparece na língua regional, o alsaciano, derivada do alemão antigo, e na culinária, onde reina o chucrute. Além disso, Estrasburgo  é conhecida pelas casas em estilo enxaimel. Lembrou-me  outra linda cidade alsaciana, Colmar, se bem que maior e mais cosmopolita. Sua parte histórica fica situada numa ilha fluvial, a Grand Île, nomeada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1988. 



           Com todo este vínculo de Estrasburgo com a Alemanha, foi até interessante eu a ter conhecido num bate-volta a partir de Baden-Baden na Floresta Negra. As duas cidades distam somente 60 quilômetros entre si, e a viagem pode ser surpreendentemente barata se a conexão for efetuada em Appenweier , em torno de 14 euros, com a viagem total durando 1h04min. O trem entre Appenweil e Estrasburgo mais parece um S-Bahn, e estava bem cheio naquela manhã. A estação de Appenweil tem porém uma pequena pegadinha. A plataforma 9, de onde sai o trem para Estrasburgo, fica distante das demais; para chegar até ela deve-se atravessar um pequeno parque, mas tudo está bem sinalizado. Outras opções de conexão são Karlsruhe e Offenburg, com passagens mais caras. Minha viagem de ida foi por Appenweil  e a volta por Offenburg.

Placa no idioma nacional e no regional

        A primeira surpresa já aparece assim que chegamos em Estrasburgo, poucos minutos após cruzarmos a ponte ferroviária sobre o rio Reno: o prédio da estação ferroviária mais parece um estádio de futebol quando visto da ampla praça na sua frente. O centro da cidade fica bem perto, após atravessarmos o Fossé du Faux Rempart, o canal que o envolve junto com o curso principal do rio Ill, afluente do Reno.

Grand' Rue

        Após atravessar o canal, a Grand' Rue (ou Lang Stross em alsaciano), exclusiva para pedestres, corta a Île Grande levando à Place de la Cathédrale, que pode ser considerada o coração do centro histórico. A magnífica Catedral de Notre-Dame levou mais de dois séculos para ser construída, sendo concluída em 1439 no estilo gótico com algumas partes mais antigas seguindo o romanesco. Foi por séculos o prédio mais alto do planeta até ser desbancada em 1874  pela Igreja de St. Nikolai em Hamburgo, destruída em bombardeio na Segunda Guerra Mundial.

A maravilhosa fachada do século XIII da Catedral voltada para a praça


           A fachada oeste voltada para a praça impressiona pela riqueza dos detalhes, ornamentos e estátuas ao redor dos portões. A fachada lateral não fica atrás com seus contrafortes e gárgulas. O interior não é menos decorado, com os vitrais coloridos do século XIV roubando a atenção, mas a atração principal é o relógio astronômico de 18 metros de altura inaugurado em 1843. Com cobrança de ingresso de €3 para apreciar seu funcionamento, o mecanismo é posto em ação diariamente ao meio-dia e meia, com a procissão de figuras representando os apóstolos. O evento é antecedido por  um filme de trinta minutos. Como meu tempo era curto e já tendo assistido a apresentações de outros relógios semelhantes na Europa, decidi não vê-lo em ação.  Quem tiver fôlego pode ainda subir os 332 degraus  em espiral para apreciar como recompensa a vista da cidade a partir da torre da Catedral.

Fachada lateral da Catedral de Estrasburgo
Órgão de tubos  e vitrais no interior da Catedral

             Numa esquina da Place de la Cathédrale se situa uma das construções mais icônicas de Estrasburgo, a Maison Kamerzell. Apresentando um ótimo exemplo de fachada típica alsaciana, a Maison junto com as casas ao redor oferece um contraste impactante com o arenito cor-de-rosa das paredes da catedral. Com o escritório de turismo localizado bem ao lado, a Maison sedia um restaurante estrelado.

A Maison Kamerzell na Place de la Cathédrale

                 E falando em restaurantes, a rua que liga a praça ao rio Ill, a Rue de Maroquin, abriga alguns winstubs, as tabernas típicas que estão para a Alsácia como os bistrôs estão para Paris. Almocei num dos mais conhecidos, o Le Tire-Bouchon ("o saca-rolhas"). Seu carro-chefe é o choucroute royal, que além do chucrute (que não pode faltar num winstub autêntico) contém linguiça alsaciana, almôndega de fígado e presunto acompanhados de batata. Comida boa em ambiente aconchegante típico dentro de uma casa medieval.

Rue Maroquin com a alta torre da Catedral ao fundo

           O centro da cidade possui várias outras praças que valem a pena ser visitadas. A poucos passos da Catedral está a Place Guttemberg. A praça foi batizada em homenagem ao inventor da imprensa, que morou por anos em Estrasburgo e lá desenvolveu o processo. A estátua de Guttemberg divide o espaço com um carrossel, que dá um ar mais bucólico à praça. 


Place Guttemberg com a estátua do inventor da imprensa

           Há pouca dúvida de que a área mais pitoresca do centro histórico é a Petite France. Por coincidência foi a ocasião em que o céu se abriu por alguns instantes, tornando a paisagem ainda mais atraente. Bairro histórico por excelência, seus quarteirões apresentam casas com fachadas em enxaimel bem cuidadas com flores nas janelas, datadas dos séculos XVI e XVII. Nessa época eram moradia de gente humilde - pescadores, curtidores e moleiros, profissões que denominam as ruelas estreitas hoje cheias de turistas apreciando o charme da área. As aberturas existentes nos telhados inclinados eram usadas para pendurar o couro ao sol, deixando um cheiro nada agradável. A casa mais conhecida é a Maison des Tanneurs, junto ao largo principal. O antigo curtume atualmente abriga um dos winstubs mais renomados de Estrasburgo, onde o cardápio varia do onipresente chucrute ao escargot, outra iguaria muito apreciada na Alsácia.

Petite France e a Maison des Tanneurs à esquerda

            Justamente na Petite France o rio Ill se divide em quatro braços, dos quais somente o mais setentrional é navegável graças a uma eclusa. Todos os visitantes param para apreciar a entrada dos barcos de turismo na eclusa e a sua elevação lenta para vencer o desnível da água. Algumas pontes de pedestre cruzam os braços interligando as vielas, mas uma delas, a Pont Faisan, é famosa por uma peculiaridade. Eu já ia atravessá-la quando fui impedido por um guarda que bloqueou sua cabeceira. Em seguida a ponte simplesmente girou em 90° ficando isolada no meio do rio, para permitir a passagem do barco que havia acabado de deixar a eclusa. Logo a ponte voltou à posição inicial e o tráfego de pedestres foi normalizado.  Se tivesse chegado alguns momentos depois, a ponte nem teria chamado a atenção.

A Pont du Faisan girada aguardando o barco passar

             Os desavisados podem até achar o nome Petite France gracioso, mas a verdade é bem mais prosaica. Há cinco séculos, sob um dos domínios alemães, existia na área um hospital para soldados sifilíticos. Acontece que a doença, um dos terrores de épocas passadas, era conhecida na Alemanha como "mal francês". A denominação jocosa se espalhou para o bairro, perdendo com o tempo o sentido original.

Caminhando pelas ruas restritas a pedestres da Petite France

         A denominação de outra atração histórica situada mais adiante no rio Ill também pode causar confusão para os turistas. Trata-se das Pontes Cobertas, um conjunto de três pontes que cruzam os quatro braços do rio junto a quatro torres de pedra erguidas para defesa da cidade no século XIII. Só  que as pontes perderam a cobertura de madeira quinhentos anos mais tarde. É, definitivamente os nomes enganam em Estrasburgo...

Duas das Pontes nada Cobertas junto às torres de pedra

             Ainda mais adiante no ponto onde o rio Ill se reencontra com o canal, está a Barragem Vauban, construída como novo mecanismo de defesa em substituição às Pontes Cobertas. Caso o inimigo se aproximasse, comportas eram acionadas, o rio subia de nível e alagava as terras ao redor, impedindo a travessia do exército inimigo. O mecanismo surtiu efeito na Guerra Franco-Prussiana em 1870, mas pelo visto não adiantou muito, já que no ano seguinte a Alsácia foi entregue à Alemanha após a derrota francesa, permanecendo 48 anos sob jurisdição germânica até o fim da Primeira Guerra Mundial.

           A harmônica construção com treze arcos que até parece parte de um castelo também serve como ponte, esta sim bem coberta. Foi construída em arenito e inaugurada em 1690, tendo sido planejada pelo lendário engenheiro militar francês Marquês de Vauban, cujas obras já apareceram duas vezes neste blog, nos posts sobre Luxemburgo e Neuf-Brisach.

A Barragem Vauban

              Depois de ter visto a eclusa em funcionamento, claro que eu estava doido para fazer o passeio de barco. Deixei o tour fluvial para o meio da tarde. Há dois tipos de barco cujas saídas meio que se alternam, o coberto e o descoberto. Sem dúvida nenhuma o barco aberto é o ideal para se apreciar a paisagem e para a tomada de fotos. O único problema é que à medida que o dia avançava as nuvens se tornaram cada vez mais ameaçadores. Minha cautela fez com que eu comprasse o horário da versão coberta, e com isso lamentavelmente não pude tirar fotos boas durante o cruzeiro - o reflexo no vidro atrapalha bastante. Nem é preciso dizer que, como fui previdente, a chuva não deu as caras!

A versão coberta do barco singra um dos braços do rio Ill

          O Batorama  sai do cais diante do Palais Rohan, ao lado da Rue Maroquin, bem perto da Catedral. O passeio com duração de 1h10min custou €13, e para comprá-lo enfrentei uma fila razoavelmente grande no cais. Ao chegar junto do quiosque, descobri que lá só havia máquinas de cartão; somente a loja junto à Catedral aceitava dinheiro. Minha preguiça falou mais alto e após alguns momentos de duelo com a máquina de autoatendimento consegui imprimir o tíquete com o horário desejado.


O barco aberto na eclusa de Petite France

             O cruzeiro circunda a Grande Île no sentido horário, singrando inicialmente o rio Ill. Sobe a eclusa de Petite France e alcança a Barragem Vauban, onde entra no Passé du Faux Rampart após nova eclusa, desta vez de descida. Durante todo o trajeto informações sobre as edificações e a história da cidade e da Alsácia são passadas pelo audiofone com vários idiomas à disposição, inclusive o português. Aliás, a informação mais curiosa que obtive durante minha visita foi que o hino francês, a Marselhesa, foi composto em Estrasburgo, bem longe da Provença.

          O barco desviou alguns minutos da circum-navegação do centro para margear o prédio moderno do Parlamento Europeu, onde os representantes da União Europeia se reúnem num plenário em semicírculo doze vezes por ano para deliberar sobre assuntos comuns aos 28 países (ainda contando com o Reino Unido) que formam a União. Uma escolha significativa para cidade-sede do parlamento continental, já que essa vocação de Estrasburgo como encruzilhada aparece até no seu nome - apesar de a cidade remontar aos tempos romanos, sua denominação vem do alsaciano e significa "cidade das estradas".

A Ópera de Estrasburgo, inaugurada em 1821 na Place Brolin. Cada uma das seis estátuas representa uma musa grega.

         Antes de retornar ao cais de partida, o tour ainda passou por algumas construções  históricas, como a neoclássica Ópera de Estrasburgo. À sua frente na outra margem do rio Ill, a Place de la République  possui belos jardins diante de prédios grandiosos construídos sob o domínio alemão anterior à Primeira Guerra Mundial, entre os quais se destaca o Palais du Rhin, inaugurado como Palácio do Kaiser.

           Apesar de um pouco tedioso na sua metade final, achei o tour fluvial  imperdível.  Em cidades onde rios e canais cumprem papel fundamental na paisagem e na história, como é o caso de Estrasburgo, apreciar os cenários sob outro ângulo é fundamental, além de proporcionar um descanso merecido às pernas, cansadas após horas de andança pelas ruelas cativantes do centro.

            Só adianto uma coisa sobre o próximo post - vai ser bem diferente dos 217 que já escrevi no blog.

⏬ Outro post sobre cidades da Alsácia:


⏩➧ Este é o último post da série sobre a viagem pelo sul e centro da Alemanha. Para visualizar os demais, acesse  Novo Tour pela Alemanha (com um pulo na Alsácia).



 Postado por  Marcelo Schor  em 15.03.2018 

6 comentários:

  1. Oi, Marcelo. Tudo bem? :)

    Seu post foi selecionado para o #linkódromo, do Viaje na Viagem.
    Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com

    Até mais,
    Bóia – Natalie

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  2. Adorei, boas dicas, estou indo p Paris e vou passar 2 dias em strasburgo

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  3. Parabém pelo ótimo post!
    Eu gostaria de uma opinião de quem conhece. Estou indo pra Colmar em janeiro/25 e meus planos seria ficar em colmar. Na minha ida para Bélgica eu apenas passaria por Estrasburgo (uma manhã) e confesso que estou repensando se não valeria mais a pena ficar em Estrasburgo e aproveitar tudo que ela tem e apenas fazer uma visita rápida em Colmar (só tenho disponibilidade para ficar em um dos dois e apenas fazer bate volta pra um deles). O que vc acha, qual vale mais a penas?

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    1. Simone, obrigado pelo elogio. Sim, pessoalmente caso eu tivesse limitação de dias e quisesse pernoitar em apenas uma das duas cidades, escolheria Estrasburgo e faria bate-volta a Colmar.

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