A origem de Kotor remonta aos tempos bizantinos, quando se chamava Dekaderon, do qual provavelmente se deriva o nome atual e também seu nome italiano, Cattaro. O nome Kotor só se firmou após a Segunda Guerra Mundial, uma informação nada surpreendente para um país que é conhecido no exterior pelo sua denominação em vêneto. No final da Idade Média a cidade era uma república independente, mas posteriormente com a ameaça dos otomanos se pôs sob a proteção veneziana, permanecendo sob seu domínio por quase quatro séculos. Hoje não é a capital de Montenegro como muitos podem pensar - a capital verdadeira, Podgorica (chamada de Titograd na época da Iugoslávia), está situada no interior do país.
A cidade histórica, com uma forma triangular entre o fiorde da baía de Kotor, o rio Skurda e o morro, retém ainda um resquício medieval adicional, além da sua muralha e das construções de pedra: suas poucas ruas não têm nome e o endereço de todos os seus prédios ostenta somente as palavras "Stari Grad" (Cidade Velha em montenegrino), seguidas do número da edificação. Claro que as ruas possuem apelidos curiosos dados pela população, dos quais o mais conhecido é o da viela "Deixe-me passar", muito estreita. Já os vários largos possuem denominação, algumas pitorescas como Praça da Salada e Praça da Farinha.
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O trecho em que a muralha começa a galgar a encosta, com o Bastião Ribera |
O acesso à cidade histórica se dá por três portões nos muros. A muralha, com até 15 metros de espessura em um trecho, foi construída ainda na época bizantina e possui duas características impressionantes. Ela envolve toda a antiga Kotor, com 4,5 quilômetros de extensão, quase duas vezes o tamanho dos muros de Dubrovnik. Como Kotor está imprensada entre a montanha e o fiorde, a muralha simplesmente acompanha a encosta, subindo a colina. Como a sua coloração escura faz com que se confunda com a rocha da montanha, apelidei o muro de "muralha-camaleão".
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O lado externo do Portão do Mar. Acima as bandeiras de Montenegro e da Unesco. |
Após deixarmos a van estacionada em frente à muralha junto à baía, encontramos nossa guia local no
Portão do Mar (nº 1 no mapa acima), construído em estilo renascentista em 1555 sob o domínio veneziano. A data 21 de novembro de 1944 gravada acima dele se refere à liberação da cidade do jugo nazista pelos partisans, acompanhada de uma frase proferida por Tito, "Não nos interessa o que pertence aos outros, o que é nosso jamais entregaremos". Com efeito, seus habitantes se orgulham de jamais terem se rendido às várias invasões que Montenegro sofreu. Só não conseguiram conter os efeitos de terremotos que devastaram Kotor nos séculos XVI e XVII. O mais recente e o mais forte, com escala Richter de 6.9, ocorreu em abril de 1979, danificando quase todos os monumentos, que foram pacientemente restaurados nos anos seguintes.
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Praça das Armas com Palácio Ducal à esquerda. |
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A Torre do Relógio e o Pilar da Vergonha na Praça de Armas |
Do outro lado do Portão do Mar está a maior praça da cidade medieval, a
Praça das Armas, que leva este nome devido à localização do arsenal de armas na época veneziana. O destaque absoluto é a
Torre do Relógio (nº 44), do século XVII. Quando a terra chacoalhou em 1667, a torre em construção se inclinou na direção do mar, e houve algumas tentativas posteriores frustradas de se colocá-la no prumo. Surpreendentemente o terremoto de 1979 a endireitou (não totalmente, a torre parece estar ainda inclinada). Colado à torre está o
Pilar da Vergonha, onde
pessoas acusadas de algum delito eram obrigadas a permanecer junto ao pilar sob o olhar impiedoso dos passantes. Já o lado oposto da praça junto à muralha é ocupado pelo
Palácio Ducal (nº 45)
, do século XVIII, que serviu como sede do governo na fase final do domínio veneziano.
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A Praça da Farinha |
Andando-se a esmo pelas belas ruas se percebe a uniformidade das construções, todas com fachadas de pedra e lampiões pretos dependurados na parede, o que confere um charme especial à cidade histórica. A maioria destes prédios é posterior ao terremoto de 1667, que também arrasou grande parte de Kotor. As ruas quase sempre desembocam em alguma praça, sendo que as mais representativas são as duas onde estão as maiores igrejas da cidade.
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Catedral de São Trifão |
Apesar de a maioria da população professar a fé ortodoxa, o marco maior de Kotor é a católica
Catedral de São Trifão (nº 21). É bem mais antiga do que aparenta, pois foi construída em 1154 no estilo romanesco, mas a fachada que dá para a praça ruiu no terremoto de 1667 e foi refeita. Há um museu sacro no seu andar superior, e a igreja abriga a tumba do santo que homenageia.
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A pequena Igreja de São Lucas, que mudou de credo ao longo dos séculos |
Já a Praça de São Lucas mais ao norte abriga mais duas igrejas. A pequenina
Igreja de São Lucas (nº 23), erguida somente treze anos após a Catedral, começou católica, mas durante 150 anos alternou missas católicas e ortodoxas em cada dia até ser cedida ao credo ortodoxo há duzentos anos - uma louvável convivência entre as duas divisões do cristianismo. A igreja conta com dois altares, um para cada religião. Foi a única igreja a escapar incólume no terremoto de 1979 e talvez por isso tenha um aspecto exterior mais gasto. Seu chão abriga painéis formados por tumbas de cidadãos de Kotor, ali enterrados até 1930.
Por sua vez, a ortodoxa
Igreja de São Nicolau (nº 22), bem mais ampla, domina a praça e é muito mais recente, erguida há 109 anos, quando substituiu outro templo incendiado.
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A Igreja de São Nicolau na Praça São Lucas |
Junto ao velho arsenal na Praça de Armas, uma escadaria dá acesso à
Torre Kampana, um dos bastiões mais antigos da muralha, erguida no século XIII. A vista de lá para o rio e a baía com a marina é excelente. Ali tem início ainda uma plataforma elevada que acompanha os muros junto ao rio Skurga e nos leva ao
Bastião Bembo (nº 8), levantado mais recentemente, no século XVI, e estrategicamente situado numa quina da muralha reta, o que permitia atirar em duas direções diferentes.
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Bastião Bembo diante do rio Skurda |
Outro portão da cidade é o
Portão do Rio (nº 2), acessado pela Praça da Madeira, mas que deveria se chamar Praça dos Gatos, pela presença dos felinos no local, alimentados pela população. Gatos costumam ser avistados pelas ruelas das cidades históricas da Croácia e de Montenegro, mas Kotor inova com a existência do
Museu dos Gatos, dedicado aos bichanos. Falando em museus, na linha mais tradicional há o
Museu Marítimo (nº 36), instalado num palácio barroco a meio caminho entre as igrejas e dedicado à extensa história marítima de Kotor. Sendo um palácio um dia habitado por nobres, os salões e mobília de época dividem a atenção dos turistas com a mostra propriamente dita.
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O Palácio Grgurina - as âncoras já denunciam que aí se localiza o Museu Marítimo |
Se você quer entrar na cidade medieval por um cenário mais impactante, a pedida é escolher o Portão do Rio, mais escondido que o Portão do Mar, seguindo o rio Skurga. Diante do Portão do Rio, aberto em 1540, está uma ponte nas fraldas do morro sobre o rio verdíssimo (mas às vezes malcheiroso). O rio nessa área forma um fosso, cavado na época da invasão otomana. Uma visão bem bucólica, completamente distinta da muvuca existente diante do Portão do Mar à beira da baía.
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O Castelo de Santo Ivan no alto do morro, com a Capela de Nossa Senhora da Salvação na parte central da foto. Na extrema esquerda, no nível do chão, as torres da Igreja de São Nicolau. |
Para quem tem disposição, há ainda a subida por uma escadaria com 1.350 degraus e 1,2 quilômetro de extensão que galga a encosta pela muralha, com vistas maravilhosas ao longo do caminho, até alcançar o Castelo de Santo Ivan. Não fiz o percurso dada a exiguidade de tempo disponível, e desconfio que mesmo se o tivesse sobrando, não completaria a subida devido ao calor do dia. Porém meu colega de blog Vinicius encarou o desafio com sua família quando visitou Kotor há três anos, e pedi a ele que contasse como foi a experiência:
" A subida ao Castelo de Santo Ivan vale muito a pena. Você é constantemente recompensado com vistas deslumbrantes da cidade e do fiorde. A trilha está um pouco gasta e mal conservada, mas o esforço compensa. Não achei necessário subir até o final da trilha, pois a partir de um certo ponto a paisagem não se altera".
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Marina no fiorde da Baía de Kotor, vista da Torre Kampana |
No
próximo post, adentramos a Albânia, um país totalmente diferente do que eu supunha.
Postado por Marcelo Schor em 29.11.2018, com a colaboração de Vinicius Buccazio
Oi, Marcelo. Tudo bem? :)
ResponderExcluirSeu post foi selecionado para o #linkódromo, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Bóia – Natalie
Tudo certo, Natalie? Obrigado!
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