Perast aos pés do Monte Kasona, com 873 metros de altura, e à beira do fiorde na Boca de Cattaro |
Nosso primeiro dia em excursão seria dedicado a conhecer a parte mais turística de Montenegro - sua costa, passando por Perast, parando em Kotor e pernoitando em Budva. Ao longo de todo o litoral, a mesma característica existente na croata Dubrovnik, de onde partimos: a exígua faixa de terra entre a montanha alta semiárida e o mar, formando paisagens bastante cênicas.
Montenegro é uma das seis repúblicas que formavam a antiga Iugoslávia. Após a dissolução em 1992, ficou unido à Sérvia até 2006, quando se separou em um plebiscito vencido por uma margem pequena, 55% a favor da independência. Ao contrário do que ocorreu com as vizinhas Croácia, Bósnia e Eslovênia, desta vez não houve qualquer conflito na separação, que foi feita de forma pacífica. A jovem república tem hoje no turismo uma de suas principais fontes de renda. Aqui vão alguns detalhes sobre o pequeno país:
Após atravessarmos a fronteira onde perdemos vários minutos na fila de carros, logo alcançamos a região dos fiordes. Como não derivam de escavação pelo gelo, a rigor o nome técnico dessas reentrâncias seria ria, um braço de mar que adentra a costa, muitas vezes formado por um vale fluvial submerso; no entanto, são chamadas informalmente no exterior como fiordes mesmo. A estrada rumo a Kotor passou a serpentear pelas margens do fiorde, conhecido como Bocas de Cattaro, até chegarmos à cidade localizada exatamente no fundo da reentrância do mar.
Vinte quilômetros antes de Kotor surgiu a bela Perast, exatamente na divisão entre as duas baías que formam as Bocas de Cattaro e bem em frente ao estreito de comunicação com o Mar Adriático. Com esta localização estratégica, Perast foi no passado um importante centro náutico, comprovado pelos palácios barrocos remanescentes dessa época à beira do fiorde, alguns abandonados. Na época áurea quando estava sob domínio veneziano no século XVIII, sua frota passava de cem barcos, construídos em estaleiros locais. Hoje Perast se reduz a uma vila com menos de 400 habitantes. A rica história da antiga cidade está contada no Museu de Perast, que ocupa o palácio mais imponente.
Talvez o maior símbolo do prestígio de outrora seja a torre que domina o horizonte de Perast, a mais alta de toda a região do fiorde, pertencente à Igreja de São Nicolau, de 1616. A igreja católica, com a decadência da cidade, nunca foi terminada. Seu topo tem vistas soberbas, com acesso não muito fácil por uma escadaria estreita.
Bem em frente a Perast, duas ilhotas chamam a atenção. A primeira, São Jorge (Sveti Dorđe), encanta pelo seu mosteiro beneditino construído no século XII, mas detém um apelido macabro, Ilha dos Mortos, por alojar um cemitério onde eram enterrados os nobres da cidade.
Já a ilha ao seu lado, Nossa Senhora das Rochas, é uma ilha artificial formada por pedras e cascos de barcos afundados, com história bem singular. A crença local afirma que no século XV foi encontrada uma imagem da Virgem Maria sobre um rochedo do fiorde; a partir de então, marinheiros passaram a jogar pedras no lugar, que acabaram formando a ilha. Este costume sobrevive até os dias de hoje: a cada 22 de julho acontece o evento chamado Fasinada, quando homens locais, numa procissão de embarcações ao som de canções, jogam pedras na ilha. Nossa Senhora das Rochas é ocupada basicamente por uma igreja católica, em cujo altar repousa a imagem encontrada.
A localização das Bocas de Cattaro na costa de Montenegro. A linha preta marca a fronteira com a Croácia. |
Montenegro é uma das seis repúblicas que formavam a antiga Iugoslávia. Após a dissolução em 1992, ficou unido à Sérvia até 2006, quando se separou em um plebiscito vencido por uma margem pequena, 55% a favor da independência. Ao contrário do que ocorreu com as vizinhas Croácia, Bósnia e Eslovênia, desta vez não houve qualquer conflito na separação, que foi feita de forma pacífica. A jovem república tem hoje no turismo uma de suas principais fontes de renda. Aqui vão alguns detalhes sobre o pequeno país:
- A língua é o montenegrino, praticamente idêntico ao sérvio, escrito tanto em cirílico quanto em caracteres latinos, estes mais vistos na costa - repare que as localidades no mapa acima estão discriminadas nos dois alfabetos.
- Sua moeda surpreende, é o euro, apesar de o país não pertencer à União Europeia. Ótimo, um câmbio a menos para se fazer na viagem.
- Quanto à geografia, Montenegro é extremamente montanhoso, como já percebemos pelo seu próprio nome, de origem vêneta (em montenegrino se chama Crna Gora, que obviamente quer dizer "monte negro" 😃).
- 70% da população de 623.000 habitantes segue o cristianismo ortodoxo.
A Baía de Kotor |
Após atravessarmos a fronteira onde perdemos vários minutos na fila de carros, logo alcançamos a região dos fiordes. Como não derivam de escavação pelo gelo, a rigor o nome técnico dessas reentrâncias seria ria, um braço de mar que adentra a costa, muitas vezes formado por um vale fluvial submerso; no entanto, são chamadas informalmente no exterior como fiordes mesmo. A estrada rumo a Kotor passou a serpentear pelas margens do fiorde, conhecido como Bocas de Cattaro, até chegarmos à cidade localizada exatamente no fundo da reentrância do mar.
Perast com a Igreja de São Nicolau - foto cedida por Vinicius Buccazio |
Vinte quilômetros antes de Kotor surgiu a bela Perast, exatamente na divisão entre as duas baías que formam as Bocas de Cattaro e bem em frente ao estreito de comunicação com o Mar Adriático. Com esta localização estratégica, Perast foi no passado um importante centro náutico, comprovado pelos palácios barrocos remanescentes dessa época à beira do fiorde, alguns abandonados. Na época áurea quando estava sob domínio veneziano no século XVIII, sua frota passava de cem barcos, construídos em estaleiros locais. Hoje Perast se reduz a uma vila com menos de 400 habitantes. A rica história da antiga cidade está contada no Museu de Perast, que ocupa o palácio mais imponente.
Talvez o maior símbolo do prestígio de outrora seja a torre que domina o horizonte de Perast, a mais alta de toda a região do fiorde, pertencente à Igreja de São Nicolau, de 1616. A igreja católica, com a decadência da cidade, nunca foi terminada. Seu topo tem vistas soberbas, com acesso não muito fácil por uma escadaria estreita.
A ilha de São Jorge - foto cedida por Vinicius Buccazio |
Bem em frente a Perast, duas ilhotas chamam a atenção. A primeira, São Jorge (Sveti Dorđe), encanta pelo seu mosteiro beneditino construído no século XII, mas detém um apelido macabro, Ilha dos Mortos, por alojar um cemitério onde eram enterrados os nobres da cidade.
Já a ilha ao seu lado, Nossa Senhora das Rochas, é uma ilha artificial formada por pedras e cascos de barcos afundados, com história bem singular. A crença local afirma que no século XV foi encontrada uma imagem da Virgem Maria sobre um rochedo do fiorde; a partir de então, marinheiros passaram a jogar pedras no lugar, que acabaram formando a ilha. Este costume sobrevive até os dias de hoje: a cada 22 de julho acontece o evento chamado Fasinada, quando homens locais, numa procissão de embarcações ao som de canções, jogam pedras na ilha. Nossa Senhora das Rochas é ocupada basicamente por uma igreja católica, em cujo altar repousa a imagem encontrada.
Mapa da baía de Budva - fonte: folheto do escritório de turismo |
Após passarmos algumas horas em Kotor, objeto do próximo post inteiramente dedicado a ela, seguimos para Budva, 25 quilômetros adiante. Budva é o núcleo urbano mais antigo da costa montenegrina, tendo sido fundada pelos gregos. Há uma lenda afirmando que Cadmo, introdutor do alfabeto grego e rei de Tebas, teria fundado Budva quando foi destronado e expulso de Tebas, e antes de ser transformado em serpente por Zeus. Ainda segundo a lenda, o nome da cidade provém do meio de transporte usado por Cadmo e a esposa, uma carroça de bois. Budva passou ao longo do tempo pelos Impérios Romano e Bizantino até pertencer a Veneza por quatro séculos, sendo seu porto mais meridional. Desde 1918, Budva é montenegrina.
Hoje Budva é considerada o principal balneário de Montenegro, com o consequente afluxo em massa de turistas do leste europeu, que lotam suas praias no verão (bem mais que o desejável) e tornam sua vida noturna afamada. A região é conhecida na Europa como Riviera de Budva.
A cidade nova de Budva |
Mas para mim o aspecto mais interessante da cidade era mesmo sua parte antiga. O hotel em que me hospedei, o ótimo Adria, ficava a 700 metros do portão medieval, numa localização bem adequada. Este foi um dos hotéis que foram trocados pela organizadora da excursão, antes ficaríamos num hotel a quatro quilômetros de distância. Bendito número reduzido de excursionistas! Como o Adria se situava no centro da cidade nova, o guia não nos acompanhou no passeio, somente indicando o caminho para que cada um conhecesse Budva como melhor lhe conviesse.
Guaraná no restaurante |
Como já estávamos no meio da tarde, minha fome falou mais alto e antes de partir para a exploração de Budva, parei no caminho para almoçar no restaurante Adriatic, a duas quadras do hotel. Pedi um beefsteak anunciado na vitrine ("biftek" em montenegrino) e apareceu um hambúrguer a cavalo, num prato bem apresentado. Curiosamente foi a única vez em toda a viagem que o arroz apareceu como um dos acompanhamentos do prato principal. O cardápio continha guaraná entre as bebidas oferecidas, e resolvi experimentar, fã que sou do refrigerante. O guaraná balcânico é fabricado na Sérvia e vendido como energético, já dá para notar pelo seu nome NoSleep e pela coruja de olhos amarelos enfezados do seu rótulo. Tinha gosto de guaraná Brahma devidamente piorado.
Portão Pizana, por onde entrei, com uma das torres de vigilância na muralha |
Depois de alimentado, parti para a exploração da Cidade Velha situada numa península, e ao contrário de Perast, totalmente cercada por uma muralha. Os muros grossos atuais, entremeados por torres de vigilância, foram erguidos no século XVI e reconstruídos após os dois terremotos que atingiram a costa. O último, de 1979, devastou a cidade antiga, e cada pedra da muralha e das casas foi recolocada no seu lugar anterior pela população ao longo dos anos seguintes, num trabalho meticuloso, deixando tudo com o mesmo jeito de antes.
Lojinhas populam as vielas da Cidade Antiga de Budva |
A Cidade Velha é compacta e bem charmosa, com suas ruas estreitas e casas de pedra uniformes em estilo mediterrâneo, repleta de butiques e restaurantes. O destaque vai para a Cidadela, uma fortaleza na ponta sul da península, que hoje abriga um museu e uma galeria de arte. Sua localização, no ponto mais elevado, já abrigou a antiga Acrópole na época dos gregos. O pátio da fortaleza do século XV abrigaria dali a um mês o Festival de Teatro de Verão, evento anual com a apresentação de peças ao ar livre.
A Cidadela de Budva |
O largo principal da parte histórica, apropriadamente chamado Praça da Cidade Velha (Trg Starogradski), está situado junto à entrada da Cidadela e está rodeado por nada menos que quatro igrejas - São João, ex-sede da diocese; Santa Maria, a mais antiga, datada do ano 840; São Sava, do século XV; e a Santíssima Trindade, ortodoxa e a mais nova, construída em 1804, e que mais chama a atenção por sua bela fachada com topo contendo três aberturas em triângulo, cada uma com um sino. Também é próximo à Cidadela que se tem acesso às muralhas por uma escadaria.
Igrejas de São Sava e Santa Maria vistas da Cidadela - fonte: commons wikimedia, Wolfgang Sauber, CCBY-SA 4.0 |
Porém a maior surpresa na cidade antiga não estava dentro das muralhas e sim colada a elas. Um toldo do restaurante anunciava seu nome, Korkovado, com direito à figura do Cristo Redentor empoleirado sobre a letra A. A gente acha lembranças do Rio de Janeiro onde menos se espera... O engraçado era que o restaurante era especializado em comida italiana, não muito boa segundo as opiniões publicadas no Trip Advisor.
O Cristo Redentor colado à Torre Repeno |
Ao chegar de volta ao hotel e examinar as fotos que havia batido, fiz uma descoberta desagradável - sabe-se lá como, as fotos em sequência das igrejas e da Cidadela estavam imprestáveis. Coincidência ou não, a tampa da bateria da minha Canon velha de guerra passou a fechar parcialmente, e no final da viagem, para tirar as fotos eu tinha que apoiar a tampa no dedo para completar o circuito elétrico. Só pude consertar a câmera no Rio, e agora está nova em folha.
No dia seguinte, na saída para a Albânia, teríamos a oportunidade de circundar a baía de Budva e parar para apreciar uma das imagens mais icônicas de Montenegro: a ilha de Sveti Stefan ou Santo Estêvão, sempre presente nos cartões postais do país. Hoje ligada ao continente, apesar de parecer um povoado, na realidade abriga um hotel de alto luxo que ocupa todas as suas casas. Certamente Sveti Stefan nem sempre foi vedada aos pobres mortais, e até meados do século passado era uma simpática e simples vila de pescadores.
Torre da Igreja de São João ao fundo - única foto das igrejas de Budva que se salvou... |
No dia seguinte, na saída para a Albânia, teríamos a oportunidade de circundar a baía de Budva e parar para apreciar uma das imagens mais icônicas de Montenegro: a ilha de Sveti Stefan ou Santo Estêvão, sempre presente nos cartões postais do país. Hoje ligada ao continente, apesar de parecer um povoado, na realidade abriga um hotel de alto luxo que ocupa todas as suas casas. Certamente Sveti Stefan nem sempre foi vedada aos pobres mortais, e até meados do século passado era uma simpática e simples vila de pescadores.
Sveti Stefan |
No próximo post, Kotor.
⏩➧ Este é o oitavo post com os relatos da segunda viagem aos Bálcãs. Para visualizar os demais, acesse Atravessando os Bálcãs: Montenegro, Albânia, Macedônia e Sérvia.
Postado por Marcelo Schor em 19.11.2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O comentário será publicado após aprovação