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Skopje, a inusitada capital da Macedônia

Skopje: Museu Arqueológico
Rio Vardar diante do Museu Arqueológico

            Skopje (ou Escópia em português europeu), a capital da Macedônia com 550.000 habitantes, é o tipo de cidade que os visitantes amam ou odeiam. A região central por onde os turistas passeiam pode ser dividida em duas áreas, a parte antiga ao norte do rio Vardar, que inclui a fortaleza e o bazar otomano, e o centro novo ao sul, remodelado recentemente sob um polêmico projeto governamental de revitalização. 

        Para compreender melhor Skopje, vamos conhecer algumas informações sobre a Macedônia:
  • Sem saída para o mar, é o país mais pobre das seis repúblicas originárias da dissolução da Iugoslávia. A Macedônia tem como atividades econômicas principais a agricultura e pecuária, além da mineração de linhito, ferro e cobre. 
  • Ao contrário de Croácia, Eslovênia e Bósnia, sua independência em 1991 foi pacífica, sem qualquer conflito com a Sérvia
  • Seu idioma é o macedônio, língua eslava aparentada do búlgaro e escrita no alfabeto cirílico.
  • A moeda é o denar (não confundir com o sérvio dinar). Um euro adquiria mais de 60 denares quando estive lá. 
  • A maioria dos habitantes, de etnia macedônia, segue o cristianismo ortodoxo, mas uma minoria importante professa o islamismo. Destes, se destacam os de etnia albanesa, que abrange cerca de 25% da população total. Os dois grupos nem sempre se deram bem. Houve um conflito sério em 2001, efeito de os albaneses se sentirem preteridos nas suas reivindicações nos anos pós-independência. O conflito foi encerrado com um acordo assinado em Ohrid em 2005. Skopje reflete bem essa divisão. A região ao norte do rio, a parte mais antiga, é de população predominante muçulmana, enquanto a região meridional concentra ortodoxos. 
  • Outras rusgas, agora diplomáticas, acontecem com a vizinha Grécia. A Macedônia histórica, famosa graças a Alexandre, o Grande, abrangia tanto a região norte da Grécia, hoje também chamada de Macedônia, quanto a parte sul da atual Macedônia. Já a região norte desta não pertencia à Macedônia histórica, aí incluindo a capital Skopje. Confuso, não? A Grécia não aceita haver um país chamado Macedônia, argumentando que a denominação é exclusiva de sua região, e tem bloqueado qualquer tentativa da Macedônia de se candidatar a organismos como a Otan e a União Europeia. Para amenizar o problema, a comunidade internacional passou a referenciar o país pela sigla FYROM (Antiga República Iugoslava da Macedônia em inglês), criando um vínculo permanente com o ex-país socialista que deve ter desagrado aos macedônios.
Skopje vista da fortaleza
Skopje vista da fortaleza. À direita, o Teatro Nacional. 
     
          Até há poucos anos, Skopje era uma cidade meio sem graça, desprovida de atrações turísticas de peso e dominada por construções no estilo cinza típico dos regimes comunistas. No começo desta década o governo iniciou o ambicioso Projeto Skopje 2014, com o objetivo de revitalizar a parte nova do centro, aproveitando para ressaltar o nacionalismo macedônio. Basicamente foi utilizada uma área em torno do rio, ainda com muitos vazios decorrentes de um terremoto devastador de 6.9 graus Richter, que destruiu 80% da cidade em 1963 (o relógio da estação ferroviária desativada marca permanentemente 5h17min, o horário da tragédia). Foram remodeladas fachadas, erguidos novos prédios governamentais e novas pontes, e se inaugurou mais de cem estátuas, homenageando personalidades históricas do país. 

          O projeto se tornou altamente polêmico, feito sem consulta popular e gastando centenas de milhões de euros num dos países mais pobres da Europa. Até as personalidades inicialmente escolhidas para as estátuas foram contestadas, por se restringirem basicamente a  vultos de etnia macedônia, deixando de lado a parcela albanesa. Além disso, as  construções novas saíram exageradas e/ou extravagantes, fazendo com que Skopje ganhasse o apelido de "capital kitsch". O resultado final me pareceu uma mini-Las Vegas, com uma mistura de estilos (que em nada lembram a arquitetura balcânica), como acontece com as estruturas que emolduram os hotéis da Strip da capital norte-americana do jogo. 

Locais mencionados no post


As atrações de Skopje:

            Chegamos em Skopje no meio da tarde vindos de Ohrid, sob um calor tórrido digno dos trópicos. Tivemos portanto somente algumas horas para conhecer a cidade, já que sairíamos cedo  no dia seguinte continuando a viagem. Esta foi a maior falha da organização do roteiro da excursão. Vendo o lado positivo, como todo o percurso do tour foi feito a pé, pegamos uma temperatura um pouco mais amena do que se tivéssemos caminhado sob o sol forte do início da tarde. Para poupar tempo, o guia Juan Pedro nos deixou com a guia local na porta da fortaleza no alto da colina, rumando para fazer nosso check-in no hotel enquanto realizávamos o tour. Para compensar, o hotel Holiday Inn era bom, com localização excelente junto ao rio e a 400 metros da Ponte de Pedra, o que me permitiu voltar mais tarde aos locais que mais me interessaram.

Skopje: Torre da Fortaleza Kale
Uma das torres da Fortaleza Kale.

            A Fortaleza Kale (palavra que significa fortificação ou castelo no idioma turco) foi erguida no ponto mais alto da cidade no século VI pelos bizantinos. Foi quartel das tropas otomanas por cinco séculos até o início do século XX. Arrasada no terremoto de 1963, sua muralha foi restaurada, apesar de hoje só contar com três das várias torres que existiam. O núcleo da fortaleza está tomado por mato, dando uma aparência de abandono, mas as vistas para o centro são ótimas.

Skopje: Bazar antigo
Rua do Bazar Antigo

               Visitada a fortaleza, descemos a escadaria em direção ao centro, passando pela mesquita Mustafa Pasha, a maior de Skopje, construída em 1492. Adentramos então o bairro onde surgiu a cidade, Čaršija (lê-se txarxíia)  também conhecido como Bazar Antigo. Com casas de no máximo dois pavimentos, ruas estreitas cheias de gente, um mercado a céu aberto e diversas mesquitas, o Bazar mantém a atmosfera misteriosa de séculos atrás. Lembrou-me bastante o bazar de Sarajevo, que é menor e tem nome semelhante. É comum vermos mulheres usando o véu tradicional muçulmano nas ruas, ao contrário da Albânia.

Mesquita Murat Pasha no miolo do Bazar Antigo.

         Atravessamos as ruas algo poeirentas e com alguns mendigos, parando para vislumbrar estruturas características do bairro, o caravanserai ou han, antigas pousadas onde os mercadores descansavam antes de prosseguir viagem nas caravanas rumo ao Oriente. Os hans sempre são formados em torno de pátios arborizados, com a construção possuindo um segundo andar com balcões de madeira voltados para o pátio, e sem janelas externas para a rua. As hospedarias se transformaram hoje em museus, galerias e restaurantes.

             Como todo bazar turco, o bairro é repleto de restaurantes onde se pode apreciar comida típica como o burek, e de lojinhas em que se deve pechinchar o artigo com o comerciante antes de comprá-lo.

Skopje: Caravenserai Suli An
Pátio do caravenserai Suli An, hoje abrigando o Museu do Bazar Antigo. 

           Saindo do Bazar em direção à parte moderna do centro, alcançamos outra estrutura típica deste tipo de núcleo, o banho turco. O Daud Pasha Hammam foi inaugurado no século XV, no início da ocupação otomana, e é facilmente reconhecido por seu teto com treze cúpulas circulares em cobre de tamanhos variados. Era considerado a maior casa de banhos dos Bálcãs. Hoje permanecem apenas as cúpulas, pois o aparato para banhos se foi, substituído pelas obras de arte da Galeria Nacional da Macedônia, sediada no local. Uma pena.

Skopje: Mães da Macedônia
Frente a frente as estátuas de Filipe II e das Mães da Macedônia, com duas das cúpulas da Galeria Nacional ao fundo.

          É na praça para a qual a Galeria Nacional está voltada que recebemos um choque de exuberância. Ali começam os monumentos criados pelo Projeto Skopje 2014. A estátua O Guerreiro, no centro da praça, homenageia Filipe II, rei da Macedônia e pai de Alexandre, o Grande. À sua frente está a bela fonte das Mães da Macedônia, com quatro estátuas tocantes de uma mãe interagindo com seu filho nos primeiros anos de vida. Segundo a guia local, a intenção era retratar o relacionamento entre Alexandre criança e sua mãe Olímpia. Se levarmos em conta que após a ponte do outro lado do rio está a estátua do próprio Alexandre, temos em linha reta esculturas homenageando o pai, a mãe e o filho.

Skopje: Kamen Most
A estátua de Alexandre ao fim da Ponte de Pedra

            Chegou então a hora de atravessar o rio Vardar, o principal do país, pela Kamen Most, a Ponte de Pedra. A ponte se inicia diante da fonte das Mães da Macedônia e leva à praça principal de Skopje. Maior cartão postal da cidade, está presente no seu brasão, juntamente com a fortaleza. Foi a primeira ponte a cruzar o rio junto ao núcleo urbano, inaugurada em 1492 pelo Sultão Mehmet II, famoso por tomar Constantinopla dos bizantinos. Com 6,3 metros de largura, hoje é reservada somente a pedestres. Pode-se dizer que a ponte sólida de treze arcos tem uma boa estrela, ela escapou duas vezes da destruição no último século. Na primeira, passou incólume na tentativa de dinamitá-la feita pelos nazistas que bateram em retirada da cidade no fim da Segunda Guerra Mundial - a explosão falhou. E na segunda, resistiu ao terremoto de 1963, enquanto seu entorno ruía quase por completo.

A Ponte de Pedra sobre o rio Vardar, encobrindo o Museu da Luta Macedônia

           A Ponte de Pedra desemboca na Praça Macedônia, a mais importante de Skopje. No centro da praça reina  Alexandre, o Grande, brandindo a espada montado no seu cavalo empinado, Bucéfalo. Alexandre é considerado na Macedônia seu maior herói, tendo estendido há 2.300 anos seu império até a Pérsia, atual Irã. Curiosamente sua cidade natal hoje se situa na Grécia. Aliás, a estátua de quatorze metros de altura em bronze foi batizada com o nome genérico de "O Grande Guerreiro" para não melindrar o governo grego, mas qualquer macedônio sabe de quem se trata. Não entendi muito bem a razão de tanto cuidado, já que Alexandre dá seu nome ao aeroporto internacional da cidade. A estátua está situada sobre uma fonte iluminada e pedestal de dez metros de altura em marfim, formando um conjunto suntuoso que custou nada menos que oito milhões de euros. A foto abaixo reforça a impressão de que a estátua é grande demais para o espaço da praça que a envolve.

"O Grande Guerreiro" na Praça Macedônia.

         Perto da Praça Macedônia, na rua de mesmo nome, está o Memorial de Madre Teresa. O museu foi inaugurado em 2009 no terreno onde se localizava a igreja católica em que a religiosa foi batizada, fez a primeira comunhão e integrou o coro dominical. Madre Teresa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho incansável, nasceu em Skopje filha de pais albaneses e lá viveu até os dezoito anos. Situado numa casa em estilo um tanto rebuscado, o museu não se propõe a ser uma réplica da residência de Madre Teresa. Lá estão expostos fotos, documentos e mobília pertencentes a ela e sua família. Fiquei um pouco decepcionado, esperava uma exposição maior dada a importância de Madre Teresa. A entrada é franca. Ao lado do museu está sendo construída um grande templo ortodoxo, que possivelmente se converterá em nova atração turística.

Estátua de Madre Teresa diante de seu Memorial. 

           É ao longo do rio Vardar no entorno da Ponte de Pedra que se concentrou a maior parte do projeto de revitalização. Para ligar os prédios recém-construídos ao centro foram inauguradas duas novas pontes de pedestres, a Ponte do Olho e a Ponte das Artes. Cada uma recebeu estátuas em seu parapeito, mas com enfoque distinto. Já se percebe a diferença de época ao se examinar as vestes das esculturas. A Ponte do Olho, situada mais perto da Ponte de Pedra, possui 28 estátuas homenageando figuras históricas da Macedônia de antigamente, desde o século IX a.C. até a Idade Média. Já a Ponte das Artes, a alguns metros de distância, apresenta 29 esculturas retratando artistas macedônios dos últimos dois séculos, entre escritores, dramaturgos, poetas, pintores e músicos. Em tempos politicamente corretos, nota-se a completa ausência de mulheres homenageadas. Eu nunca tinha ouvido falar de qualquer dos 57 retratados, o que só confirma o desconhecimento da cultura e história macedônias fora dos Bálcãs. As pontes são uma ótima oportunidade para tomada de fotos.


A Ponte do Olho, diante do Museu de Arqueologia

           Uma ideia interessante foi dotar a margem norte do rio de uma sucessão de novos prédios ligados à cultura. Em sequência estão o Museu de Arqueologia, o Museu da Luta Macedônia, o Teatro Nacional, edificação inaugurada em 1945, destruída no terremoto e reconstruída agora, e o Museu do Holocausto. Este último tem uma história peculiar com relação a sua fundação. Alguns anos após a independência, o governo resolveu indenizar os donos originais das propriedades confiscadas a partir da Segunda Guerra Mundial. Havia uma comunidade judaica florescente em Skopje antes da guerra, completamente dizimada no campo de concentração de Treblinka. No caso dos judeus, não havia portanto donos ou descendentes a quem devolver o dinheiro. Decidiu-se então  construir o museu com o montante da indenização, contendo uma exposição multimídia que apresentasse a história dos judeus macedônios e o Holocausto da guerra. A entrada neste museu também é gratuita.
   
Ponte da Arte 

            Para complementar a paisagem das pontes, neste trecho foram espalhados pela margem do rio três barcos com formato de naus antigas. As embarcações chegam a lembrar navios piratas do tipo que encontramos em parques temáticos e na verdade abrigam restaurantes. O da foto abaixo, mais vistoso, é também um hotel. Hospedar-se em um barco pirata a centenas de quilômetros do mar, acho que nem em Las Vegas...

Barco-hotel-restaurante no rio Vardar

              A última atração que visitamos no tour a pé foi a Porta Macedônia, uma espécie de Arco do Triunfo inaugurado em 2011, em comemoração aos vinte anos de independência. Com 21 metros de altura, suas fachadas contém gravuras em relevo com mais homenagens a vultos históricos. A rápida ilusão de estarmos em Paris foi quebrada quando um ônibus de dois andares vermelho, idêntico aos londrinos, passou rente ao Arco. A semelhança no entanto é proposital: velhos ônibus ingleses circulavam pelas ruas até o terremoto acontecer, e numa espécie de nostalgia, foram fabricados na China há poucos anos duzentos ônibus deste tipo para recompor a frota de transporte urbano de Skopje.

Porta Macedônia. Em relevo no alto está inscrito o nome do país em alfabeto cirílico. 

            Mistura geral sem muito sentido: prédios em estilo neoclássico, estátuas em profusão, pontes recheadas de mais estátuas, um Arco do Triunfo, ônibus londrinos, galeões em pleno rio. Ficou over, ou para usar um termo meio fora de moda, cafona. Mas acabei achando muito divertido vaguear pelas ruas à cata de qual seria a próxima surpresa visual. Não se pode negar que a remodelação funcionou para chamar a atenção para a cidade, se convertendo num chamariz poderoso para os turistas.

Monumento aos Heróis Caídos, mais uma obra do Projeto Skopje 2014

             Ao sairmos rumo a Belgrado no dia seguinte, Juan Pedro nos deu uma notícia surpreendente. Enquanto passeávamos a pé pela cidade na tarde anterior, o Primeiro-Ministro da Macedônia anunciou que estava assinando um acordo com a Grécia, em que concordava em alterar o nome do país para Macedônia do Norte, encerrando a briga de décadas. Doze de junho de 2018 foi portanto uma data histórica para a Macedônia (do Norte). Desta forma, entrei em um país e dois dias depois saí de outro. Essa foi inédita... Será que posso contar duas vezes na lista de países visitados? 😉


⏩➧ Este é o décimo terceiro post com os relatos da segunda viagem aos Bálcãs. Para visualizar os demais, acesse Atravessando os Bálcãs: Montenegro, Albânia, Macedônia e Sérvia.


 Postado por  Marcelo Schor  em 13.01.2019 

7 comentários:

  1. Boa tarde Marcelo! Adorei o que escreveu sobre Skopje. Sabe dizer se se pode beber água da torneira em Skopje?
    Muito obrigada!
    Ana Luísa

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    1. Boa tarde, Ana.

      Segundo os guias de viagem a água da torneira é considerada segura para consumo na Macedônia. De qualquer forma, sempre bebi água mineral na viagem.

      Marcelo

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  2. Gostei bastante do que li sobre a Macedônia.

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    1. Sem dúvida, a atual Macedônia do Norte é um país bem interessante, fornecendo contrastes curiosos com relação à vizinha Albânia.

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  3. Meu pai foi um judeu de Scopje que fugiu na guerra com 17 anos, indo primeiramente para Albânia, depois Bulgária e Itália onde se casou com minha mãe.Dali vieram para América do Sul. Uruguai e Brasil. Estou escrevendo um livro pois ele deixou todas as anotações da fuga. Muito emocionante.

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  4. Elisabetta E. Menahem da C Ramos

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    1. Elisabetta, que legal! Certamente será um livro bem interessante. Meus avós vieram da Polônia para o Brasil alguns anos antes, no início da década de 1930.

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