Pages

Novi Sad, a elegante capital da Voivodina


Praça da Liberdade e Igreja do Nome de Maria em Novi Sad


           Meu segundo dia em Belgrado foi dedicado a visitar Novi Sad, situada a 93 quilômetros de distância a oeste. Pouco conhecida pelos brasileiros e também banhada pelo rio Danúbio, é renomada pelas fachadas elegantes dos prédios da sua área central. A capital da Voivodina está bombando, escalada para ser a Capital Cultural da Europa em 2021.

          Um momento... Voivodina? Quantos já ouviram falar desse lugar de nome um tanto exótico? Trata-se de uma região autônoma na Sérvia, assim como era também o Kosovo até alguns anos atrás. Os kosovares se tornaram independentes (o que não foi reconhecido por vários países, inclusive o Brasil) após um conflito que custou caro à Voivodina. Novi Sad foi uma das cidades mais bombardeadas pelas forças da Otan em 1999. Só para se ter uma ideia, as três pontes sobre o Danúbio na cidade ruíram sob o impacto das bombas. No entanto, ao contrário de Belgrado, onde alguns edifícios em escombros não foram restaurados, não vi no centro de Novi Sad qualquer resquício da guerra. Diferentemente de Kosovo, a Voivodina jamais almejou a independência, desejando apenas um grau de autonomia maior, devidamente regulamentado em 2002, após a queda do presidente sérvio Milosevic.

Prefeitura de Novi Sad

           Com um passado que diverge da Sérvia em vários pontos, a Voivodina tem uma diversidade impressionante, com 26 grupos étnicos habitando seu território, encravado entre Hungria, Romênia, Croácia e a própria Sérvia ao sul. Não à toa, a influência austríaca e húngara é gritante. E para realçar esta diversidade, existem seis línguas oficiais. Haja tradutor para os documentos emitidos pelo governo voivodino!

Praça da Liberdade, com a sede do Banco da Voivodina à esquerda

           Já Novi Sad é a segunda cidade em população na Sérvia, com 300.000 habitantes, só perdendo para Belgrado. Seu centro está salpicado de construções no estilo da Europa Central e poderia pertencer tranquilamente à Eslováquia ou República Tcheca, por exemplo. A maioria dos prédios foi erguida a partir do século XIX, já que a cidade foi arrasada durante uma revolução em 1848. Seu coração é a Trg Slobode (Praça da Liberdade), uma praça muito bonita com o prédio da Prefeitura e a católica Igreja  do Nome de Maria ocupando lados opostos, e edificações com fachadas adornadas por colunas coríntias no seu entorno. Vale a pena reparar nos vitrais e no telhado da nave da igreja, com detalhes geométricos em laranja, lembrando desenhos em suéter. Pena que o espaço da praça estivesse ocupado por toldos brancos pontudos de uma feira de livros, tapando a estátua central e tornando ingrata a tarefa de tirar fotos decentes.

O incrível telhado da Igreja

O calçadão ao lado da Igreja de Nome de Maria e ao fundo a Prefeitura

          É numa das paredes do prédio renascentista de 1895 da Prefeitura que se encontra uma placa apresentando o lugar, com quatro dos idiomas oficiais da Voivodina, a saber: o majoritário sérvio (em caracteres cirílicos, apesar de ser cada vez maior a presença do alfabeto latino em sua escrita), o húngaro, o eslovaco e o ruteno, um idioma eslavo falado na Europa Central e escrito ali também no alfabeto cirílico. Como a maioria dos leitores não é versado em qualquer um destes idiomas difíceis, a placa anuncia "República Sérvia, Província Autônoma da Voivodina, Prefeitura de Novi Sad". A registrar o nome diferente da cidade em húngaro, Újvidék, cujo significado é exatamente o da denominação sérvia, Novo Campo.

A placa poliglota no térreo da Prefeitura de Novi Sad

       Da Praça da Liberdade parte um dos dois grandes calçadões de Novi Sad, a rua Zmaj Jovina. Repleta de bares e restaurantes com mesas ao ar livre, esta rua de casas coloridas termina na estátua do poeta sérvio que deu nome à rua, Jovan Jovanovic Zmaj. O edifício em frente à estátua, o Palácio do Bispo, é um dos mais interessantes da cidade, em estilo bizantino. De lá parte o segundo calçadão, o Dunavska, rumo ao parque da cidade e ao rio.

O Palácio do Bispo com a estátua de Jovan Zmaj no encontro dos dois calçadões


           Uma atração inesperada em Novi Sad é a casa onde residiu Albert Einstein. Sim, o formulador da Teoria da Relatividade morou ali brevemente com a esposa Mileva, já que os sogros eram de Novi Sad. Mileva era sérvia, também era física e colaboradora de Einstein e teve três filhos com ele. Após o divórcio, Mileva retornou à cidade. Quem esperava um museu ou algo do gênero vai se decepcionar, só há uma placa alusiva, do outro lado da rua onde está a casa.
O centro de Novi Sad desde a Fortaleza Petrovaradin

               A atração mais visitada de Novi Sad fica numa encosta do outro lado do Danúbio, o que lhe rendeu o apelido de "Gibraltar do Danúbio" . A Fortaleza Petrovaradin é um ótimo lugar para descortinar o rio imponente, além de abrigar o Museu da Cidade, dedicado à história de Novi Sad e da fortaleza, ocupando um antigo alojamento militar construído em 1775. Espalhada por uma área enorme, Petrovaradin é conhecida pela extensão de seus túneis subterrâneos.

Museu da Cidade em Petrovaradin

       A fortaleza atual foi erguida pelos austríacos no final do século XVII, e sua utilidade foi comprovada em 1716 numa batalha contra os turcos que significou o afastamento definitivo dos otomanos da Europa Central. Desta forma, ao contrário do restante da Sérvia, a Voivodina não esteve sob domínio turco nos dois séculos seguintes.

A Fortaleza de Petrovaradin e o Rio Danúbio

               O maior destaque da fortaleza é a Torre do Relógio, que tem uma particularidade - o ponteiro das horas é maior que o dos minutos, confundindo os visitantes. Dizem que o objetivo era fazer com que os pescadores no rio pudessem ver o horário mais facilmente à distância, pelo menos no que dizia respeito à hora.

O pátio de Petrovaradin debruçado sobre o Danúbio

A Torre do Relógio. Hora que deve ser lida: 12h45min.

                Petrovaradin é locação para o maior festival de música da Sérvia e um dos principais da Europa. O  EXIT dura quatro dias a cada primeira quinzena de julho. O festival existe desde 2000, quando foi criado como uma forma de protesto dos jovens diante dos acontecimentos na Sérvia naquela época. Já se apresentaram lá nomes como Billy Idol, Franz Ferdinand e Guns 'n' Roses. A edição deste ano terá como atração principal The Cure. Como visitei Novi Sad em meados de junho, havia propaganda do festival espalhada por todo canto.

O calçadão da rua Jovan Zmaj com destaque para as flâmulas do Festival Exit, eleito melhor festival europeu em 2018.

                   O tempo foi muito curto para a parada em Petrovaradin. Talvez por conta disso e do céu  completamente encoberto, não achei a fortaleza tão interessante assim, especialmente após ter visitado Kalemegdan em Belgrado no dia anterior.
Algumas das edificações no parte baixa da Fortaleza Petrovaradin

              Fomos então conhecer Sremski Karlovci, cujo nome complicado esconde uma cidadezinha simpática de 9.000 habitantes a sete quilômetros de Novi Sad, também à beira do Danúbio, e que já foi a capital cultural e política da Voivodina. Pelo seu sossego, é difícil acreditar. Foi lá, quando ainda se chamava Karlowitz, que austríacos e turcos assinaram o tratado de paz após a batalha de Petrovaradin. Sua praça principal é cercada de belos casarões, mas o destaque vai para a Fonte dos Quatro Leões no centro da praça, com peixinhos nadando na água. Projetada em 1799 por um arquiteto italiano, a fonte barroca foi erigida em mármore vermelho. Há uma crença antiga afirmando que quem beber da água que jorra da boca dos leões esculpidos voltará a Sremski Karlovci.

A Fonte dos Quatro Leões
Escola de Sremski Karlovci

            A cidade é também conhecida pelo vinho produzido, particularmente o Bermet, especialidade da Sérvia. Contendo de 16 a 18% de teor alcoólico, o vinho doce tinto ou branco foi originalmente desenvolvido com propósitos medicinais misturando uvas e ervas. Hoje é servido como aperitivo ou após as refeições. Para se ter ideia de seu prestígio no passado, foi consumido nos jantares da viagem fatídica do Titanic em 1912.

     Para experimentá-lo fomos ao Museu Zivanovic, situado num casarão sede de um empreendimento misto de vinhedo e apiário. A degustação na varanda aconchegante incluía a prova de sete vinhos e três tipos de mel, acompanhados de pão e queijo. Provei somente alguns dos vinhos (incluindo o Bermet, claro), ao contrário da minha colega de excursão argentina, que degustou todos. Visitamos também uma adega com alguns tonéis de madeira.

            Mas o mais curioso era mesmo o museu, contando a história do apiário, pertencente à família Zivanovic há quatro gerações. Encostadas na parede, algumas colmeias separadas por uma linda maquete de catedral. O que fazia aquele templo em miniatura ali? Segundo o que nos contaram, há mais de cem anos Jovan Zivanovic contraiu tuberculose e foi desenganado pelos médicos. Resignado, resolveu se dedicar à apicultura no pouco tempo que lhe restava de vida. Entretanto, se curou da doença e atribuiu o milagre à picada das abelhas, efeito colateral da sua nova atividade. Construiu então uma colmeia-igreja para homenageá-las. A maquete portanto não está deslocada no meio das colmeias desativadas, na realidade ela é uma delas.

           Finalmente, uma observação que notei ao montar este post. Nenhum dos relógios fotografados apresentava a hora correta. Por coincidência (ou não?), os relógios da igreja e da fortaleza mostravam a mesma hora, quinze para uma, apesar de as fotos terem sido clicadas em horários diversos.

A colmeia-igreja ao lado de uma colmeia tradicional no Museu Zivanovic


Como chegar a Novi Sad a partir de Belgrado por transporte público:

A cidade é ligada a Belgrado por ônibus e trem com horários frequentes. As estações, lado a lado, ficam a dois quilômetros da Praça da Liberdade.


⇨ Quer saber mais sobre o naufrágio do Titanic? Acesse aqui o post sobre Halifax, onde visitei o museu dedicado a uma das maiores tragédias marítimas de todos os tempos.


⏩➧ Este é o décimo quinto e último post com os relatos da segunda viagem aos Bálcãs. Para visualizar os demais, acesse Atravessando os Bálcãs: Montenegro, Albânia, Macedônia e Sérvia.

  Postado por  Marcelo Schor  em 09.02.2019 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O comentário será publicado após aprovação