As escarpas da costa de Cape Breton vistas do mirante na Cabot Trail. |
A Ilha de Cape Breton, na extremidade leste da província da Nova Escócia, é conhecida entre os canadenses pela exuberância de sua natureza. Pequenas vilas junto ao lago ou ao Oceano Atlântico, imprensadas entre a água e as escarpas montanhosas, dão um encanto especial à paisagem natural. Algumas destas vilas preservam a herança cultural celta ou francesa. E dentre as atrações que a ilha oferece, a mais famosa é a Cabot Trail, rota circundando uma península na ilha, que serpenteia pelas escarpas cobertas de floresta à beira-mar oferecendo vistas deslumbrantes.
A Cabot Trail é considerada uma das estradas mais bonitas do Canadá, estando sempre na lista das mais cênicas junto com a Icefields Parkway, que liga Banff a Jasper, bem mais frequentada pelos turistas brasileiros. Sua denominação homenageia o navegador John Cabot, que andou por aquelas paragens em 1497, o primeiro europeu a pisar na América do Norte desde os vikings. Não se sabe se ele realmente aportou em Cape Breton ou na vizinha Terra Nova. O nome engana, Cabot era um italiano a serviço do rei da Inglaterra Henrique VII, e na realidade se chamava Giovani Caboto.
A estrada oferece muitos mirantes para apreciar a paisagem ao longo dos seus 300 quilômetros de extensão, especialmente no seu trecho oeste. A melhor base para se fazer o passeio é Baddeck, onde me hospedei e assunto do último post, que dispõe de uma boa infraestrutura de alojamento e de restaurantes. Há também cruzeiros que fazem parada em Sydney (não confundir com a metrópole australiana), a maior cidade de Cape Breton situada um pouco mais longe, de onde saem tours que percorrem parte da Cabot Trail.
Mapa de Cape Breton com a Cabot Trail, do folheto de turismo da Nova Escócia |
A estrada oferece muitos mirantes para apreciar a paisagem ao longo dos seus 300 quilômetros de extensão, especialmente no seu trecho oeste. A melhor base para se fazer o passeio é Baddeck, onde me hospedei e assunto do último post, que dispõe de uma boa infraestrutura de alojamento e de restaurantes. Há também cruzeiros que fazem parada em Sydney (não confundir com a metrópole australiana), a maior cidade de Cape Breton situada um pouco mais longe, de onde saem tours que percorrem parte da Cabot Trail.
Com todas as paradas, percorrer a estrada leva todo o dia, sendo recomendado fazê-lo no sentido horário. A rodovia que passa por Baddeck acompanhando o lago Bras d'Or e dá acesso à Cabot Trail é a famosa Trans-Canada Highway, que vara o país ligando Victoria na Colúmbia Britânica à Terra Nova, com 7.820 km de extensão. Ao sair da Trans-Canada, ingressamos direto na Cabot Trail, que até alcançar o mar acompanha o rio Margaree, conhecido pela pesca do salmão entre junho e outubro, uma das atividades de maior renome em Cape Breton. Há até um Museu do Salmão na área, em Northeast Margaree.
O circuito passou a acompanhar a costa do golfo de São Lourenço (onde deságua o rio mais importante do Canadá) e logo fizemos a primeira parada em Chéticamp. A cidade de pescadores hoje com 3.000 habitantes foi fundada pelos acadianos, os franceses que povoaram a Nova Escócia e depois grande parte foi deportada migrando para a Louisiana, onde passaram a ser chamados de cajuns. O francês é falado por seus descendentes em Chéticamp, que preserva muito da cultura acadiana, efeito provável de seu isolamento que perdurou até a década de 50. É comum se deparar com a bandeira acadiana, cuja única diferença para a francesa é o acréscimo de uma estrela amarela no canto.
Chéticamp é conhecida por sua igreja católica de pedra com torre prateada e pelas tapeçarias tecidas pelas moradoras, tão afamadas que enfeitam até a Casa Branca em Washington. Só houve um problema: a parada aconteceu numa lanchonete um pouco antes da cidade, e que estava lotada de gente. A fila para o banheiro feminino estava enorme e perdemos 40 minutos no local sem nenhum atrativo turístico. O resultado foi que, para minha decepção, o ônibus passou direto por Chéticamp, sem ao menos parar para tirarmos uma foto sequer da igreja. Males de se fazer excursão...
Chéticamp marca o início do Cape Breton Highlands National Park, que ocupa grande parte da porção norte da península. A Cabot Trail começa então a subir e descer pela encosta, ora mais perto do nível do mar, ora a altitudes mais elevadas, onde estão situados alguns mirantes em que finalmente o ônibus parou. A espera valeu a pena, o cenário era espetacular, e só posso imaginar como ficaria dali a duas semanas quando se tornaria multicolorido com a mudança das folhagens no outono, em contraste fantástico com o azul gelado do mar.
A partir de um certo ponto, a estrada abandona o litoral oeste da ilha rumo ao outro lado, se embrenhando pela montanha no parque. Foi aí que paramos para a refeição no MacIntosh Brook Campground, um lugar idílico com mesas para piquenique e ponto de início de trilhas. O almoço estava incluído no pacote e no dia anterior a guia tinha recolhido de cada excursionista a opção escolhida dentre cinco tipos de sanduíche oferecidos. Logo peguei com ela meu kit contendo o sanduíche de peru com queijo e sentei junto às agentes de viagem britânicas para saboreá-lo em meio ao gramado cercado pela floresta. Comi rápido, pois estava interessado em andar um pouco pela trilha, afinal Cape Breton é conhecida como um paraíso para andarilhos. Para minha surpresa a trilha chegava a um córrego belíssimo (que deve ser o tal MacIntosh), cruzado por uma ponte de madeira. Depois descobri que, se dispusesse de quarenta minutos para percorrer toda a trilha, teria chegado a uma cachoeira. Quando retornei poucos minutos antes da hora marcada para a partida do ônibus, não resisti e informei às moças que tinham ficado conversando o que havia encontrado. Não tiveram dúvida e lá foram elas rumo à ponte. O ônibus acabou saindo vários minutos atrasado. Desta vez, indiretamente foi mea-culpa.
Se a parte oeste da Cabot Trail se destaca por seus mirantes e seu aspecto mais rústico, o lado leste junto ao Oceano Atlântico tem um perfil completamente diferente, um pouco mais urbano, com vilas debruçadas sobre o mar.
Estava previsto no roteiro da excursão que faríamos um passeio de barco de hora e meia para observação de baleias, outra das atividades favoritas de quem visita Cape Breton. Como já tive o privilégio de observá-las durante outra viagem, minha vontade de fazer o passeio era mínima e perguntei à guia no dia anterior se havia alguma alternativa no local para quem não quisesse ver os cetáceos. A resposta foi negativa, teria que ficar de braços cruzados aguardando a volta do barco. Já tinha me conformado em fazer o passeio quando a guia, após receber um telefonema, informou que o mar estava revolto prenunciando uma tempestade que chegaria à noite, e não haveria condições de o barco sair em alto mar. Fiquei espantado quando várias pessoas compartilharam comigo a satisfação pela notícia. Pessoalmente acho que, sendo o dia puxado como foi, teria ficado ainda mais cansativo se tivéssemos embarcado.
Paramos em algumas vilas de pescadores do tipo onde o tempo parece não andar muito depressa e onde o turismo de massa ainda não chegou, com barcos pequenos enchendo a orla a perder de vista. A primeira destas vilas foi Neil's Harbour, com seu farol pintado nas cores da bandeira canadense, vermelho e branco. Para aumentar ainda mais a lembrança da bandeira, a pintura da torre da lanterna do farol estava adornada com várias folhas de bordo, o símbolo nacional. Falando em bandeira, fiquei admirado ao saber que a atual é relativamente recente, tendo sido criada somente em 1964. Sempre achei que remontasse à época da formação da Confederação do Canadá em 1867.
Em seguida, fizemos mais duas paradas para tirar fotos à beira-mar, a primeira na bela praia de Black Brook, onde o único ponto negativo era a ausência de areia, substituída por pedras incômodas. Ainda nos limites do parque, a segunda parada já com a tarde avançando foi em Lakies Head, com mais vistas em meio às rochas litorâneas.
A última parada, ainda dentro dos limites do parque, foi mais demorada e numa área mais turística e sofisticada, onde proliferam campos de golfe. Middle Head é um promontório elevado que avança mar adentro como um dedo fino em riste, acessado por uma estradinha que sai da Cabot Trail. Se sobressaindo na paisagem e ocupando um grande casarão branco em estilo inglês na parte mais alta do promontório rochoso está o Keltic Lodge Resort, um dos hotéis mais famosos do país (o nome se refere à pronúncia da palavra celtic). O ônibus parou na frente de um restaurante um pouco adiante do hotel, o Arduaine. Não sei quanto à comida, mas a vista a partir das vidraças do salão do restaurante é de tirar o fôlego.
A guia nos alertou no início do passeio que iríamos vislumbrar diversos animais selvagens, com destaque para as águias-carecas, grandes aves de plumagem escura e cabeça branca, abundantes em Cape Breton. Considerada a ave símbolo dos Estados Unidos, a águia-careca esteve ameaçada de extinção por lá na década de 80, devido ao uso de pesticidas. A situação foi revertida com a transferência de águias canadenses. Sempre tive vontade de apreciar o voo imponente destas aves, mas ainda não foi dessa vez: não vimos qualquer animal durante todo o trajeto, ave ou mamífero. 😟
Depois de tudo o que vi ao longo do dia, posso dizer que o ideal mesmo teria sido percorrer a rota com mais calma, pernoitando em alguma vila pelo caminho para aproveitar a paisagem, as trilhas do parque e a herança cultural que fazem a fama da ilha. Afinal, pressa não combina nada com o espírito de Cape Breton.
No próximo post, a outra grande atração de Cape Breton, a Fortaleza Louisbourg, que foi visitada no dia seguinte em meio à chuva forte que efetivamente caiu, conforme a previsão meteorológica.
⇨ Curioso sobre a troca de folhagem no outono? Acesse aqui o passeio que fiz na Nova Inglaterra para apreciar este fenômeno espetacular da natureza.
⏩➧ Este é o segundo post da série sobre as Províncias Marítimas. Para visualizar os demais, acesse Viagem às Províncias Marítimas Canadenses.
Igreja de St. Pierre em Chéticamp, que vi só de relance - fonte: creative commons, Dennis Jarvis, artq55 CC-BY-SA 2.0 |
O circuito passou a acompanhar a costa do golfo de São Lourenço (onde deságua o rio mais importante do Canadá) e logo fizemos a primeira parada em Chéticamp. A cidade de pescadores hoje com 3.000 habitantes foi fundada pelos acadianos, os franceses que povoaram a Nova Escócia e depois grande parte foi deportada migrando para a Louisiana, onde passaram a ser chamados de cajuns. O francês é falado por seus descendentes em Chéticamp, que preserva muito da cultura acadiana, efeito provável de seu isolamento que perdurou até a década de 50. É comum se deparar com a bandeira acadiana, cuja única diferença para a francesa é o acréscimo de uma estrela amarela no canto.
Chéticamp é conhecida por sua igreja católica de pedra com torre prateada e pelas tapeçarias tecidas pelas moradoras, tão afamadas que enfeitam até a Casa Branca em Washington. Só houve um problema: a parada aconteceu numa lanchonete um pouco antes da cidade, e que estava lotada de gente. A fila para o banheiro feminino estava enorme e perdemos 40 minutos no local sem nenhum atrativo turístico. O resultado foi que, para minha decepção, o ônibus passou direto por Chéticamp, sem ao menos parar para tirarmos uma foto sequer da igreja. Males de se fazer excursão...
Pleasant Bay, após Chéticamp. |
Chéticamp marca o início do Cape Breton Highlands National Park, que ocupa grande parte da porção norte da península. A Cabot Trail começa então a subir e descer pela encosta, ora mais perto do nível do mar, ora a altitudes mais elevadas, onde estão situados alguns mirantes em que finalmente o ônibus parou. A espera valeu a pena, o cenário era espetacular, e só posso imaginar como ficaria dali a duas semanas quando se tornaria multicolorido com a mudança das folhagens no outono, em contraste fantástico com o azul gelado do mar.
As agentes de viagem fazendo o piquenique em MacIntosh Brook |
A partir de um certo ponto, a estrada abandona o litoral oeste da ilha rumo ao outro lado, se embrenhando pela montanha no parque. Foi aí que paramos para a refeição no MacIntosh Brook Campground, um lugar idílico com mesas para piquenique e ponto de início de trilhas. O almoço estava incluído no pacote e no dia anterior a guia tinha recolhido de cada excursionista a opção escolhida dentre cinco tipos de sanduíche oferecidos. Logo peguei com ela meu kit contendo o sanduíche de peru com queijo e sentei junto às agentes de viagem britânicas para saboreá-lo em meio ao gramado cercado pela floresta. Comi rápido, pois estava interessado em andar um pouco pela trilha, afinal Cape Breton é conhecida como um paraíso para andarilhos. Para minha surpresa a trilha chegava a um córrego belíssimo (que deve ser o tal MacIntosh), cruzado por uma ponte de madeira. Depois descobri que, se dispusesse de quarenta minutos para percorrer toda a trilha, teria chegado a uma cachoeira. Quando retornei poucos minutos antes da hora marcada para a partida do ônibus, não resisti e informei às moças que tinham ficado conversando o que havia encontrado. Não tiveram dúvida e lá foram elas rumo à ponte. O ônibus acabou saindo vários minutos atrasado. Desta vez, indiretamente foi mea-culpa.
Sobre a ponte na trilha |
Se a parte oeste da Cabot Trail se destaca por seus mirantes e seu aspecto mais rústico, o lado leste junto ao Oceano Atlântico tem um perfil completamente diferente, um pouco mais urbano, com vilas debruçadas sobre o mar.
Estava previsto no roteiro da excursão que faríamos um passeio de barco de hora e meia para observação de baleias, outra das atividades favoritas de quem visita Cape Breton. Como já tive o privilégio de observá-las durante outra viagem, minha vontade de fazer o passeio era mínima e perguntei à guia no dia anterior se havia alguma alternativa no local para quem não quisesse ver os cetáceos. A resposta foi negativa, teria que ficar de braços cruzados aguardando a volta do barco. Já tinha me conformado em fazer o passeio quando a guia, após receber um telefonema, informou que o mar estava revolto prenunciando uma tempestade que chegaria à noite, e não haveria condições de o barco sair em alto mar. Fiquei espantado quando várias pessoas compartilharam comigo a satisfação pela notícia. Pessoalmente acho que, sendo o dia puxado como foi, teria ficado ainda mais cansativo se tivéssemos embarcado.
Neil's Harbour e seu farol |
Paramos em algumas vilas de pescadores do tipo onde o tempo parece não andar muito depressa e onde o turismo de massa ainda não chegou, com barcos pequenos enchendo a orla a perder de vista. A primeira destas vilas foi Neil's Harbour, com seu farol pintado nas cores da bandeira canadense, vermelho e branco. Para aumentar ainda mais a lembrança da bandeira, a pintura da torre da lanterna do farol estava adornada com várias folhas de bordo, o símbolo nacional. Falando em bandeira, fiquei admirado ao saber que a atual é relativamente recente, tendo sido criada somente em 1964. Sempre achei que remontasse à época da formação da Confederação do Canadá em 1867.
Black Brook Beach |
Em seguida, fizemos mais duas paradas para tirar fotos à beira-mar, a primeira na bela praia de Black Brook, onde o único ponto negativo era a ausência de areia, substituída por pedras incômodas. Ainda nos limites do parque, a segunda parada já com a tarde avançando foi em Lakies Head, com mais vistas em meio às rochas litorâneas.
Lakies Head. Ao fundo, Middle Head. |
A última parada, ainda dentro dos limites do parque, foi mais demorada e numa área mais turística e sofisticada, onde proliferam campos de golfe. Middle Head é um promontório elevado que avança mar adentro como um dedo fino em riste, acessado por uma estradinha que sai da Cabot Trail. Se sobressaindo na paisagem e ocupando um grande casarão branco em estilo inglês na parte mais alta do promontório rochoso está o Keltic Lodge Resort, um dos hotéis mais famosos do país (o nome se refere à pronúncia da palavra celtic). O ônibus parou na frente de um restaurante um pouco adiante do hotel, o Arduaine. Não sei quanto à comida, mas a vista a partir das vidraças do salão do restaurante é de tirar o fôlego.
O Keltic Lodge Resort no alto do promontório. |
A guia nos alertou no início do passeio que iríamos vislumbrar diversos animais selvagens, com destaque para as águias-carecas, grandes aves de plumagem escura e cabeça branca, abundantes em Cape Breton. Considerada a ave símbolo dos Estados Unidos, a águia-careca esteve ameaçada de extinção por lá na década de 80, devido ao uso de pesticidas. A situação foi revertida com a transferência de águias canadenses. Sempre tive vontade de apreciar o voo imponente destas aves, mas ainda não foi dessa vez: não vimos qualquer animal durante todo o trajeto, ave ou mamífero. 😟
A costa de Cape Breton vista a partir de Middle Head. |
Depois de tudo o que vi ao longo do dia, posso dizer que o ideal mesmo teria sido percorrer a rota com mais calma, pernoitando em alguma vila pelo caminho para aproveitar a paisagem, as trilhas do parque e a herança cultural que fazem a fama da ilha. Afinal, pressa não combina nada com o espírito de Cape Breton.
No próximo post, a outra grande atração de Cape Breton, a Fortaleza Louisbourg, que foi visitada no dia seguinte em meio à chuva forte que efetivamente caiu, conforme a previsão meteorológica.
⇨ Curioso sobre a troca de folhagem no outono? Acesse aqui o passeio que fiz na Nova Inglaterra para apreciar este fenômeno espetacular da natureza.
⏩➧ Este é o segundo post da série sobre as Províncias Marítimas. Para visualizar os demais, acesse Viagem às Províncias Marítimas Canadenses.
Postado por Marcelo Schor em 30.04.2019
Oi, Marcelo. Tudo bem? :)
ResponderExcluirSeu post foi selecionado para o #linkódromo, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Bóia – Natalie
Oi, Natalie. Estou em viagem e só vi sua indicação agora. Obrigado!
Excluir