Almoço na Place du Midi com o Château de Valère ao fundo |
A cada vez que o trem se aproximava de Sion e a cidade surgia aos pés de seus castelos, eu me perguntava o porquê de a capital do cantão suíço de Valais não ser mais visitada por turistas. Sion me encantou à primeira vista, e logo confirmei que tinha acertado em escolhê-la como base para minha estadia de três dias no Vale do Ródano. Com uma população de 35.000 habitantes, a cidade (que se chama Sitten em alemão) tem atrações que facilmente conquistam o visitante. Suas construções históricas incluem não um, mas dois castelos sobre morros pairando sobre as ruas, que conferem a Sion um aspecto peculiar. Isto sem falarmos nas encostas de vinhedos que a envolvem, tudo emoldurado pelos picos nevados dos Alpes ao fundo.
Hospedei-me no Hotel Elite, um três estrelas adequado e com café da manhã básico. Sua localização no entanto era excepcional, a três quadras do calçadão principal e a cinco da estação ferroviária, fator importante uma vez que usei o trem em todos meus deslocamentos em visitas a outras localidades, de Brig a Montreux. Ideal também para alcançar todas as atrações de Sion a pé.
Place du Scex e canal do rio Sionne |
É curioso que, apesar de eu ter achado Sion bastante pitoresca, a cidade não tenha uma infraestrutura hoteleira desenvolvida, são poucos hotéis no centro. Muitos visitantes conhecem Sion apenas em uma breve parada a caminho das estâncias de Zermatt ou Crans-Montana. Apesar disso, o cuidado com o turismo é visível, as atrações estão sequenciadas num roteiro a pé sugerido, e diante de cada uma delas uma placa afixada com o número da atração conta sua história e características em francês, alemão e inglês.
Fonte do Leão e Maison de la Grenette |
A cidade é muito antiga, com milênios de história e possuindo indícios arqueológicos de habitação desde a Pré-História. A denominação de seus habitantes em francês, sédunois, provém do nome com que era conhecida em latim. Sua diocese católica é a mais antiga da Suíça, tendo sido ao longo dos séculos um importante centro eclesiástico, com os bispos se empoderando e controlando politicamente todo o Valais na Idade Média.
Início da ladeira da Rue des Châteaux |
A marca registrada de Sion são mesmo seus dois castelos elevados, que aparecem enfeitando a paisagem a partir de muitos pontos da cidade. Ambos estão ligados à história religiosa de Sion. Os castelos são acessados pela mesma ladeira, que sai de trás da Prefeitura, apropriadamente chamada de Rue des Châteaux. Há um bom motivo para se retornar à noite à Rue des Chateaux, lá se situam restaurantes com comida típica suíça.
Museu Cantonal de Belas Artes |
Ao subir pela Rue des Châteaux, uma construção à esquerda com todo o jeito de castelo chama a atenção. É o Museu Cantonal de Belas Artes, situado numa mansão imponente do século XV, que um dia foi mesmo um castelo, o Château de Majorie. No final da ladeira, uma escadaria em cada lado dá acesso a cada um dos dois castelos situados no topo de morros vizinhos. Durante os meses de verão há um trenzinho que sobe a ladeira levando os visitantes até o início das escadarias, mas em pleno maio a tarefa coube mesmo aos meus pés.
Château de Valère |
O primeiro e mais baixo dos castelos, o Château de Valère, é na realidade uma basílica, já mencionada no século XII e erguida inicialmente no estilo romanesco e completada no gótico. Após vencer os degraus da escadaria, cheguei ao seu pátio com vista fabulosa sobre a cidade e o vale do Ródano. A visão do outro castelo a partir dali também vale o esforço. O interior da igreja está aberto a visitação, e contém o órgão que é provavelmente o mais antigo em funcionamento no mundo, instalado em 1435, contando ainda com alguns tubos originais. A moldura de madeira que envolve o órgão preso à parede nos lembra que seus tubos foram desenhados remetendo ao formato do próprio castelo. A igreja foi alçada a basílica durante uma visita do Papa João Paulo II a Sion em 1984.
O Château de Valére |
O órgão do Château de Valère - fonte:commons.wikimedia,Berra39 |
O Château de Valère sedia concertos noturnos periódicos. Só para se ter uma ideia, algumas semanas depois da minha estadia em Sion teria início o Panorama Bach, um espetáculo de luzes e som no castelo com as obras imortais do compositor alemão. As apresentações ocorreram de quinta a domingo durante as noites de verão de 2019, com entrada franca, sendo acompanhadas também pelas pessoas sentadas no campo sob o morro. Já pensaram que legal apreciar este espetáculo de música clássica neste cenário sob iluminação especial? Devido à pandemia, não há nada definido ainda para 2021, mas as informações podem ser obtdas no site www.sionenlumieres.ch.
Sion vista a partir do Château de Valère, com a Catedral em destaque no centro da foto. |
O segundo castelo, o Château de Tourbillon, está em ruínas e visto de baixo se parece realmente com uma fortaleza, já que a edificação propriamente dita fica voltada para o outro lado. Foi construído no início do século XIV para servir como residência ao Bispo de Sion. Apesar de uma história atribulada com várias tomadas militares, o castelo foi utilizado por vários séculos até sucumbir a um incêndio que devastou a cidade em 1788, nunca sendo reconstruído. Cansado e bastante satisfeito pela subida a Valére e diante de relatos que os degraus para Tourbillon eram bem mais exaustivos, optei por não visitá-lo. .
O Château de Tourbillon visto a partir de Valère |
O centro histórico é ótimo para caminhadas a esmo pelas ruelas estreitas ladeadas por construções antigas, parando aqui e ali para se apreciar uma fachada ou uma fonte medieval. Muitos dos casarões pertenciam aos nobres suíços de outrora, os patrícios.
Rue du Grand-Pont |
O calçadão principal, a rua mais larga da área, é a Rue du Grand-Pont. Por sinal não há qualquer sinal da tal ponte, deve ter sido aterrada há muito tempo. A Rue du Grand-Pont apresenta alguns dos mais belos prédios de Sion, que abrigam restaurantes e repartições com a bandeira do Valais e de Sion dependuradas, sendo propícia para tirarmos ótimos retratos. No entanto, uma singularidade atrapalhou muito minha atividade de fotógrafo - havia vagas demarcadas para estacionamento de carros situadas bem no meio da via; quase sempre ocupadas, quebravam todo o encanto do lugar. Até que no último dia de estadia tive uma baita surpresa, me deparando com um veículo que roubou toda a atenção, como podem conferir na foto abaixo. Parecia até pôster de alguma propaganda automotiva em revistas.
Mustang estacionado no meio da rue du Grand-Pont |
Certamente a construção mais imponente da Rue du Grand-Pont é a Prefeitura. Inaugurada em 1665, ostenta uma torre com relógio astronômico, um dos três que existem em capitais suíças (confira o de Berna nesse post). Outro destaque vai para o portão de madeira trabalhada. No interior da Prefeitura há pedras que compõem a parede do hall e contêm inscrições romanas. O que será que havia por lá dois milênios atrás? Infelizmente seus salões só podem ser conhecidos por quem faz o tour a pé oferecido pelo escritório de turismo, disponível durante julho e agosto.
A Prefeitura de Sion... |
... e sua torre com o relógio astronômico. |
Outro marco de Sion é sua catedral, nominalmente Catedral de Notre-Dame du Glarier, um pouco escondida. Está situada de costas para a parte mais antiga da cidade, junto à Place de Planta, onde estão os mais modernos Palácio do Governo Cantonal e o escritório de turismo. Erguida no século XV, tem diversas partes reminiscentes do século XII, como seu campanário com teto em formato de agulha octogonal. Achei interessante os relógios estarem nas laterais e nos fundos do campanário quase milenar ao invés da frente, tornando as laterais bem mais vistosas. Na catedral se encontram as tumbas dos bispos de Sion.Vale a pena entrar para admirar o interior gótico com teto em abóbadas e o altar com um tríptico diante de vitrais multicoloridos.
Contrastando com a catedral, ao seu lado está a Igreja de São Teódulo, erguida no século XVI em estilo mais simples, no lugar onde se situavam termas romanas. O templo homenageia o santo padroeiro de Sion, que foi o primeiro bispo conhecido do vale no século IV.
Frente da Catedral de Sion... |
... e sua lateral. |
Sendo uma cidade importante nos tempos medievais, Sion era circundada por uma muralha para defesa dos seus habitantes. Não sobrou nada, com exceção de uma torre, hoje um prédio isolado. A Torre das Bruxas (Tour des Sorcières) data do século XIV e serviu posteriormente como prisão. Quanto às feiticeiras, nunca houve qualquer sinal delas; na verdade o nome deriva do formato dos tetos, que lembra o chapéu associado a bruxas.
Torre das Bruxas: na ponta do centro, junto às encostas de vinhedos |
Para terminar, uma curiosidade histórica recente. Cercada pelos Alpes e com clima excelente para os padrões suíços, Sion tem uma tradição insólita: se candidatou três vezes a sede das Olimpíadas de Inverno e perdeu em todas, em 1976, 2002 e 2006. No ano retrasado se candidatou pela quarta vez, para os Jogos de 2026, mas um plebiscito quinze dias após minha visita obrigou o governo a retirar a candidatura. A população optou por se recusar a pagar uma taxa para bancar parte dos custos, mesmo com aporte substancial de fundos federais. Este tipo de plebiscito é uma tradição suíça, onde mudanças que impactem a vida dos habitantes são decididas pelo voto (⇨veja mais sobre plebiscitos suíços no post sobre Appenzell).
Portanto você já sabe. Se estiver viajando rumo a Zermatt desde Genebra ou Lausanne, não custa dar uma paradinha para conhecer os encantos de Sion. Não vai se arrepender.
No próximo post, mais Valais: Sierre e Crans-Montana.
⏩➧ Este é o décimo sexto post da série sobre a Suíça. Para visualizar os demais, acesse A saborosa Suíça.
Postado por Marcelo Schor em 20.01.2020
Ótima descrição! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado.
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