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Castelo Stockalper em Brig |
Já tendo estado na Suíça algumas vezes, me faltava conhecer uma região menos visitada pelos turistas brasileiros, o vale do rio Ródano no cantão do Valais, no sudoeste do país. O cantão é reconhecido mundo afora pelo monte Matterhorn e o resort de Zermatt, mas a beleza e tranquilidade do vale fluvial encravado nos Alpes encanta qualquer um, especialmente se você tiver vindo direto da lotada e barulhenta China, como foi o meu caso.
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Veja aqui o relato da minha viagem à China.
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Locais dos cantões do Valais (1 a 5) e de Vaud (6 e 7) mencionados neste e nos próximos posts |
Terceiro cantão em superfície da Suíça, o Valais apresenta algumas peculiaridades. É o único no gênero masculino (os demais não levam artigo diante do nome), e um dos poucos que é bilíngue: sua porção ocidental fala francês enquanto na oriental o idioma é o alemão. É engraçado que até no trem o fato aparece: até Sierre os avisos são dados primeiro em francês; de Salgesch em diante, o alemão toma a dianteira.
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Vinhedos no vale do Ródano |
Considerada a região mais seca e ensolarada do país, o Valais também é reconhecido pelo seu prato alpino típico, a raclette, o delicioso queijo derretido raspado servido sobre batatas cozidas, normalmente saboreado acompanhado de cebola, picles e embutidos. Tradições seculares ainda sobrevivem ali, como a insólita Luta de Vacas (em francês Combat des Reines), cujo ápice acontece na final de campeonato que ocorre na primeira semana de maio na vila de Aproz, perto de Sion. Numa arena no estilo dos rodeios do interior do Brasil, vacas duelam no confronto cabeça contra cabeça até que aquela que não tenha recuado seja sagrada a "rainha" do ano. Ao contrário das touradas espanholas, a disputa bovina no Valais é mais pacífica, e não rola sangue. Deve ser curioso ver as vaquinhas típicas suíças com o sino dependurado no pescoço, aparentemente tão pacatas, se enfrentando chifre a chifre.
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A capital Sion |
Aterrissei no aeroporto de Genebra e já tomei o trem rumo à capital do cantão,
Sion, onde me hospedei por três noites, sempre usando ao longo da semana o transporte ferroviário para visitar as cidades vizinhas. A paisagem do percurso de duas horas entre Genebra e o Valais é linda, primeiro acompanhando o Lago Léman e depois enveredando pelo estuário do rio Ródano, com o vale recheado dos vinhedos que fazem a fama do Valais - o cantão é responsável pela produção de um terço do vinho suíço, branco ou tinto. Aliás, o nome do cantão provém justamente do vale do rio, um dos mais importantes da Europa. Em sua porção inicial o Ródano atravessa o Valais, forma então o Lago Léman, e em Genebra reinicia seu curso, agora rumo ao sul, atravessando Lyon, Avignon e Arles no sudeste da França até desaguar no Mar Mediterrâneo num trajeto total de 812 quilômetros (engraçado, sempre pensei que fosse maior).
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Prédio em estilo gótico na Sebastianplatz em Brig |
Vamos iniciar o relato dos passeios no Valais por
Brig, que dos locais que visitei é o situado mais a leste e portanto mais perto da nascente alpina do Ródano. Brig é conexão importante ferroviária, já que é o ponto de partida do trem que sobe a montanha rumo a Zermatt e também do ramal que atravessa os Alpes. Sendo a única das localidades que visitei no Valais de idioma alemão, aproveitei a visita para almoçar uma boa batata rösti (com direito a um ovo estrelado por cima, uma versão típica suíça) no restaurante
Walliser Stuba, situado na rua que liga a estação ferroviária à praça principal, a Banhofstrasse, no nº 9. É engraçado que que agora sempre que saboreio uma rösti (ainda mais na Suíça) me recordo do restaurante encravado
no pico de Ebenalp, uma lembrança que ficará para sempre como um dos cenários mais deslumbrantes onde já fiz uma refeição.
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Sebastianplatz com a Chávez Brunnen à direita |
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No ângulo oposto, a Chávez Brunnen à esquerda |
A cidade é cortada por um afluente do Ródano, o rio Saltina, e possui uma praça central charmosa, a
Sebastianplatz, com casarões imponentes em volta. A fonte localizada na praça apresenta a estátua de um homem alado, e tem uma ligação inesperada com a América do Sul: seu nome é
Chávez Brunnen, e homenageia o aviador Jorge Chávez. Peruano (ele batiza também o aeroporto de
Lima), foi o primeiro a sobrevoar os Alpes em 1910, com partida em Brig diante de personalidades como o músico Giacomo Puccini. O voo teve no entanto final trágico, o vento quebrou a asa e o monoplano caiu perto do pouso já na Itália, matando o aviador. A fonte foi inaugurada no centenário do voo pioneiro fatal, em 2010.
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Rio Saltina com o Castelo de Stockalper à esquerda |
Mas quem desembarca em Brig está mesmo interessado em conhecer o
Castelo Stockalper. A estrutura já chama a atenção de longe, é o tipo de atração que você deseja visitar ao se deparar com uma imagem em livro ou na internet. Por muito tempo a maior residência privada da Suíça, o castelo impacta pelo seu tamanho desproporcional em relação à cidade pequena e por suas três torres de pedra encimadas por cebolas douradas, que o fazem se assemelhar a uma igreja ortodoxa russa.
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Castelo Stockalper |
O belo castelo leva o nome do seu construtor e primeiro proprietário,
Kaspar Stockalper, que o inaugurou em 1678 após vinte anos de construção. Stockalper teve uma história de vida singular e marcante. Poliglota que conhecia latim, grego e espanhol além dos três idiomas da Suíça, ele enriqueceu ao abrir uma estrada pelo Passo de Simplon, nos Alpes ao sul de Brig, tornando a região caminho de rotas comerciais. A partir daí, conseguiu o monopólio do comércio pelo passo, principalmente com relação à seda e ao sal. Tornando-se o que hoje chamaríamos de multibilionário, ergueu o castelo para nele residir, aproveitando ainda o amplo espaço deste autêntico palácio para armazenar o seu precioso ganha-pão, o sal. Responsável por inúmeras benfeitorias na região, Stockalper morreu em 1691, mas não pôde aproveitar muito o castelo. Logo em 1679 houve uma revolta na região do Valais e Stockalper foi expulso, se exilando no norte da Itália. Voltou anos mais tarde, ficando recluso no castelo em seus anos derradeiros. Seu lema de vida era "Sosper lucra carpat", expressão latina significando em português "Mantenha seguro aquele que lucra"; surpresa é constatar que o lema é um anagrama do seu nome vertido para o latim, Caspar Stocalperus. Bem inventivo.
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As arcadas do pátio do Castelo Stockalper, com os Alpes ao fundo |
Fiquei intrigado com a existência de três torres ao invés de quatro, já que elas estão dispostas ao redor de um pátio quadrado. Será que o plano original incluía construir uma quarta torre complementando o conjunto? No entanto, Stockalper as batizou com os nomes dos três reis magos, seu xará Kaspar (Gaspar em português), Melchior e Balthazar. Por sinal, o pátio é propício para tomada de fotos, com níveis de arcadas em estilo italiano abaixo das torres e contando ainda com veículos postais antigos expostos nos seus cantos.
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Diligência antiga no pátio |
O castelo é rodeado por um amplo e convidativo jardim, que contém até um pequeno vinhedo. O térreo abriga uma exposição com entrada franca sobre a abertura do Simplon Tunnel, que une o Valais ao norte da Itália. O restante do interior do castelo só pode ser visitado em tours pagos exceto para portadores do Swiss Pass, feitos normalmente em alemão. Mesmo sem ter feito o tour, valeu a pena ter visitado Brig, o cenário do castelo e jardins é impactante.
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Jardins do Castelo Stockalper |
No
próximo post, a capital Sion.
➧⏩Este é o décimo quinto post da série sobre a Suíça. Para visualizar os demais, acesse A saborosa Suíça.
Postado por Marcelo Schor em 20.12.2020
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