Bairro do Flamengo no Rio de Janeiro |
O Flamengo é um dos bairros mais antigos e tradicionais do Rio de Janeiro. Às margens da Baía de Guanabara e fronteiro ao Pão de Açúcar, abriga um dos maiores parques urbanos no país. Nele vias movimentadas com lojas de serviço convivem com ruas residenciais tranquilas. No passado foi habitado pela elite da capital do país, o que deixou um legado arquitetônico considerável. De mansões centenárias conservadas a uma quantidade considerável de joias edificadas no estilo art-déco, o Flamengo está recheado de construções e monumentos que enchem os olhos dos apreciadores.
Pão de Açúcar visto do Parque do Flamengo |
Foi no Flamengo que o gentílico carioca se originou. Já nos primeiros anos de colonização era como os índios tamoios se referiam a um casebre habitado por um europeu (significa "casa de homem branco"), possivelmente no local onde hoje está a esquina tranquila das ruas Senador Euzébio e Princesa Januária. O termo passou a designar o rio que atravessava a região (hoje subterrâneo) e também os habitantes da cidade. Por sinal, tempos depois a Praia do Flamengo entraria para a História como o lugar da batalha de índios e franceses contra portugueses que ceifou a vida do fundador Estácio de Sá em 1567.
Nos tempos coloniais e imperiais, o que se conhecia como Flamengo era praticamente só a praia. As atuais ruas Marquês de Abrantes (então Caminho Novo de Botafogo) e Senador Vergueiro (o Caminho Velho) eram a única porta de entrada para o bairro de Botafogo, sendo consideradas como parte integrante dele. Mesmo porque eram separadas do centro e do resto da cidade pelo rio Carioca, cuja única ponte só era atravessada após o pagamento de pedágio. No século XIX tudo mudou e estas ruas passaram a acolher moradias de nobres, sendo a primeira a própria rainha Carlota Joaquina. Mas as duas vias só deixariam de ser os acessos principais para o restante da Zona Sul com a abertura das Avenidas Beira-Mar e Osvaldo Cruz pelo prefeito Pereira Passos em 1906.
Sede do Instituto Bennett |
Mais de um século depois, sobraram poucos exemplares deste período áureo do Império e Primeira República. Os solares remanescentes construídos por barões ou milionários se transformaram em sedes de instituições culturais:
- O mais antigo é a sede do Instituto Bennett (rua Marquês de Abrantes 55), fechado há um ano. O palacete neorrenascentista, construído em 1859 para ser a residência do Barão de São Clemente, é tombado pelo município e não corre risco de demolição.
- Atualização em maio de 2023: O prédio hoje abriga outra instituição de ensino.
- A eclética Mansão Figner (número 99 da mesma rua) abriga o Centro Cultural Arte-SESC. Com uma cúpula cinza que atrai a atenção, foi erguida em 1912 pelo empresário tcheco Frederico Figner, que fundou a gravadora Odeon e a famosa Casa Edison, além de introduzir o gramofone no Brasil.
- O Palacete Seabra (Praia do Flamengo 340) data de 1920 e também sedia um centro cultural, a Casa Julieta Serpa.
- O Castelinho do Flamengo (número 158 da mesma rua, construído em 1916), cujo nome oficial é Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho, lembra realmente um pequeno castelo, mas tem fama de mal-assombrado, Os fantasmas de um casal de proprietários, mortos em atropelamento por bonde em frente ao imóvel, e de sua filha, vítima em seguida de maus tratos pelo tutor, vagariam à noite pelos salões, produzindo rangeres inexplicáveis.
Castelinho do Flamengo |
A década de 30 do século passado foi o período em que o estilo art-déco se fez mais presente nas edificações do Rio. Estima-se que seus motivos geométricos característicos e portões chamativos enfeitem a fachada de cerca de 400 prédios em toda a cidade, o que a torna a campeã do gênero na América do Sul. Três bairros congregam ainda hoje um número considerável de representantes do estilo - Copacabana, Botafogo e Flamengo.
Edifício Biarritz |
No Flamengo meu favorito é o Edifício Biarritz, na Praia do Flamengo perto da rua Paissandu. Erguido em 1937, teve projeto do arquiteto francês Henri Sajous, também responsável pelo icônico edifício da Mesbla no Passeio Público. Impossível não deixar de admirar o efeito dos balcões curvos gradeados, cercados por pilares contínuos do térreo ao topo. Luxuoso, o edifício conta com hall revestido por mármore de Carrara e um jardim interno com fonte projetado por Burle Marx. Não é à toa que seus apartamentos enormes valem milhões de reais. Seu morador mais ilustre foi Percival Farquhar, o empresário financiador da ferrovia Madeira-Mamoré, cuja história foi contada na série Mad Maria, sendo Farquhar vivido por Tony Ramos.
Edifício São João Marcos |
Bem na esquina no fim da Marquês de Abrantes existia um casarão que fez história no Rio. Ali viveu a rainha Carlota Joaquina, àquela altura já às turras com seu marido D. João VI. Anos após Carlota retornar a Portugal, o casarão foi adquirido pelo Marquês de Abrantes (daí o nome da rua), que o ampliou consideravelmente. Situado na época à beira-mar, era lá que a nata dos nobres da época, incluindo o neto de Carlota D. Pedro II, assistia às regatas que frequentemente aconteciam na Praia de Botafogo. O casarão, a esta altura já um palacete, acabou indo abaixo no início do século XX.
Em 1938 foram inaugurados no terreno os edifícios São João Marcos e Paraopeba, dois dos primeiros edifícios da Praia de Botafogo projetados pelo mesmo arquiteto do Copacabana Palace. Outros belos exemplares no estilo art-déco, cujos nomes homenageavam uma cidade fluminense e outra mineira. Peraí, que cidade no Estado do Rio é essa da qual a maioria dos cariocas nunca ouviu falar? Pois é, somente dois anos após a construção do edifício, o núcleo urbano de São João Marcos literalmente virou pó, submerso nas águas da expansão da represa de Ribeirão das Lajes, situada atualmente em Rio Claro.
Igreja dos Poloneses |
Se o casarão foi abaixo há mais de cem anos, a capela anexa sobreviveu. Construída no lugar do antigo oratório usado por Carlota Joaquina, a capela inaugurada em 1864 pelo marquês hoje abriga a Igreja de Nossa Senhora do Monte Claro, conhecida como Igreja dos Poloneses. Esta é a padroeira dos católicos poloneses, e a igreja conta com missa neste idioma aos domingos pela manhã. A igreja fica situada ao lado de sete pequenos sobrados que sabe-se lá como sobreviveram à especulação imobiliária.
A bela torre da Igreja da Santíssima Trindade |
O interior da Santíssima Trindade |
Outra igreja bem mais ampla, que por sua vez no passado sediou missas em francês, está situada na rua Senador Vergueiro 141. Também exemplo de art-déco, a Igreja da Santíssima Trindade foi erguida na década de 40 e apresenta um projeto moderno, em concreto armado e pedra branca, pelo mesmo arquiteto francês do Edifício Biarritz. Sua belíssima torre pontiaguda com 55 m de altura é vazada, e antigamente se iluminava à noite, parecendo um foguete. Vale a pena entrar para apreciar seu interior amplo e claro. Seus 21 vitrais são baseados nos da Catedral de Chartres. Pena que a igreja está emparedada pelos prédios vizinhos, o que impede a obtenção de boas fotos da sua fachada.
A estátua do Almirante Tamandaré na Praça Marinha do Brasil |
As ruas Marquês de Abrantes e Senador Vergueiro terminam na Praia de Botafogo, início do bairro de mesmo nome, junto à Praça Marinha do Brasil. Por muito tempo estranhei o nome da praça, já que não há instalações navais na redondeza; isto até atinar que o monumento plantado no local homenageia o Almirante Tamandaré. Joaquim Lisboa, o Marquês de Tamandaré, participou de diversas guerras desde a época da independência do Brasil, até comandar forças navais na bacia do Rio da Prata durante a Guerra do Paraguai. Pediu a reforma em 1890, aos 82 anos de idade e após 67 anos de serviço, por não concordar com a deposição do imperador Pedro II. É hoje o patrono da Marinha brasileira, sendo sua data de nascimento, 13 de dezembro, o Dia do Marinheiro. Diante da importância do homenageado, a estátua em bronze com pedestal em granito foi inaugurada pelo próprio Presidente Getúlio Vargas em 1937. Um detalhe singular é que a lateral do monumento tem o formato da quilha de um navio.
Na pracinha ao lado, encontramos a estátua do sanitarista Osvaldo Cruz, no término da avenida homônima.
Rua Paissandu e suas palmeiras |
O Almirante Tamandaré comandou ainda as forças navais na Guerra do Uruguai, cuja operação mais famosa, ocorrida em 1864, foi o Cerco de Paysandú. A vitória brasileira foi tão comemorada que acabou batizando uma das ruas mais pitorescas do Rio. A Rua Paissandu foi aberta na época para ligar o Palácio Guanabara à Praia do Flamengo, de forma a facilitar a locomoção da Princesa Isabel, que havia se mudado para o imóvel. Ao longo do tempo, a rua ficou conhecida pela fileira dupla de palmeiras imperiais em toda sua extensão de um quilômetro. Com expectativa de vida superior a um século, muitas morreram nos últimos anos, sendo substituídas por outras espécies, mas vários trechos da rua ainda mantêm a linha de palmeiras intocada.
Parte do Parque do Flamengo. O edifício na extrema esquerda é a antiga sede social do clube Flamengo. |
Num post sobre o Flamengo não se pode deixar de mencionar o enorme parque que o separa das águas da baía. Com poucas áreas verdes até então, a vida do bairro foi transformada há 60 anos, quando foi despejada na orla uma faixa enorme de terra vinda do desmonte do Morro de Santo Antônio no centro da cidade. Surgiu o Parque do Flamengo. também chamado simplesmente de Aterro. Ocupando uma superfície de 1,2 km², o parque é uma das áreas de lazer favoritas dos cariocas, onde andam, correm, se exercitam ou simplesmente descansam sob a sombra de uma de suas 17.000 árvores de cerca de 350 espécies . Alguns até arriscam um mergulho nas águas poluídas da baía na praia ao lado. O que poucos sabem é que o projeto original previa quatro pistas de automóveis cortando o aterro ao invés das duas atuais, o que certamente reduziria em muito a área verde projetada por Burle Marx.
Trilha que acompanha toda a extensão do parque. |
Na época da minha infância, o parque tinha ainda atrações adicionais que encantavam a garotada, o trenzinho que percorria a atual trilha de ciclismo (esta é a razão pela qual ela termina em loop junto ao Monumento a Estácio de Sá) e uma pista de aeromodelismo, onde eu adorava ver os pequenos modelos de aviões voarem. Mas bacana mesmo era entrar no DC-3 da Varig exposto no Aterro. O avião antigo movido a hélice ficou por muito anos naquele lugar, até ser removido para o Galeão. No ano passado sua destruição foi anunciada, causando uma chuva de protestos. Saudades daquele tempo...
Flamengo e adjacências |
Com relação ao Flamengo, o clube de futebol de maior torcida no Brasil, teria mesmo nascido no bairro? A resposta é sim: surgiu como equipe de remo (esporte muito em voga na época) em 1895 numa mesa do Café Lamas, no Largo do Machado. Surpresa maior é o fato de seu rival Fluminense ter sido fundado também no bairro, numa casa da rua Marquês de Abrantes em 1902. Por muitos anos, as atividades esportivas do Flamengo se restringiram às regatas na baía, e alguns de seus remadores também jogavam futebol no Fluminense. Até que em 1911 uma dissidência no Fluminense fez com que alguns sócios fundassem o time de futebol do Flamengo.
Registre-se que, apesar de grande parte de sua equipe ter se bandeado para o adversário, no ano seguinte o time tricolor ganhou o primeiro Fla-Flu da História por 3 a 2. Por décadas o Flamengo teve suas sedes esportiva e social no bairro, até se mudar totalmente para a Gávea; aliás, o terreno da sede anterior da avenida Rui Barbosa (hoje um dos pontos mais valorizados da cidade) foi doado pelo Fluminense... Já o tradicionalíssimo Lamas, considerado o restaurante mais antigo do Brasil ainda em atividade, foi desalojado pelas obras do metrô e se mudou para o início da rua Marquês de Abrantes. Ali continua deleitando os clientes com seu filé maravilhoso. Ironicamente o restaurante onde foi fundado o Flamengo atualmente está situado na mesma rua onde foi fundado seu rival Fluminense.
A estátua do imperador asteca Cuahutémoc no final da Praia do Flamengo, presente do México por ocasião do centenário da Independência do Brasil. |
Quanto ao nome do bairro, existem divergências com relação à sua origem. A versão mais difundida afirma que vem de prisioneiros holandeses que chegaram à região no século XVII após o fim da Invasão Holandesa em Pernambuco. Uma segunda hipótese vincula o nome a imigrantes açorianos provenientes do Vale dos Flamengos na Ilha do Faial (essa é minha favorita, já que sem saber da conexão visitei o lugar há nove anos - acesse aqui o post). Mas a mais inusitada é a que propõe ser uma variante de flamingo, aquela ave pernalta que um dia já habitou as margens da Baía de Guanabara. Não seria curioso ter o flamingo como ave mascote de clube ao invés do consagrado urubu?
Pão de Açúcar e Morro da Urca a partir do Parque do Flamengo numa manhã de fim de outono |
➤ Em maio de 2023 um dos maiores símbolos do luxo de outrora do bairro foi posto novamente a venda, a suntuosa cobertura triplex que pertenceu à família Guinle. Ela pode ser identificada na foto de abertura do post pelo seu jardim que ocupa o topo do edifício de esquina no centro da foto. O preço requerido foi de R$ 59 milhões. Alguém se habilita?
➤ Em agosto de 2023 foi reinaugurado o Museu Carmen Miranda na Avenida Rui Barbosa. A mostra apresenta vestimentas e apetrechos usados pela cantora e atriz, além de painéis retratando sua trajetória e vídeos de participações em filmes norte-americanos. A entrada é gratuita e o museu funciona de 11às 17h aos sábados e domingos e de 10 às 17h de terça a sexta-feira. Ótima oportunidade para rever ou conhecer detalhes da Pequena Notável (ou Brazilian Bombshell, como foi chamada nos Estados Unidos).
Cartaz na entrada do Museu Carmen Miranda |
⏩ Não deixe de ler dois posts sobre atrações do Flamengo e proximidades mencionadas acima:
⇨ Outros posts sobre o Rio de Janeiro:
- Botafogo, entre o Corcovado e a baía
- Glória, onde o Rio lembra Paris
- Monumento aos Pracinhas e Museu de Arte Moderna
- Catete, um bairro antigo no Rio
- Praça Mauá e Museu do Amanhã
- Passeio à Ilha Fiscal
- Ilha de Paquetá
Postado por Marcelo Schor em 27.06.2021
Atualizado em agosto de 2023
meus parabéns Marcelo ficou uma maravilha
ResponderExcluirObrigado, Gilson!
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