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Catete, um dos bairros mais antigos do Rio

 

Palácio do Catete

           Bairro histórico do Rio de Janeiro, o Catete abrigou a sede do governo executivo do país por décadas a fio no século passado. O poder se foi com a transferência da capital para Brasília em 1960, mas o palácio presidencial se transformou num dos mais importantes museus cariocas, ladeado por belos jardins. Além disso, ao contrário de outros bairros da Zona Sul, o Catete ainda possui quantidade considerável de casario antigo bem preservado, especialmente ao longo da sua via principal, a rua do Catete, existente desde os tempos coloniais. Alguns destes sobrados com sacadas gradeadas são bem amplos, evocando o tempo em que esta era uma das regiões residenciais mais valorizadas na cidade.  

Sobrados históricos em frente ao Palácio do Catete


         Há casos curiosos entre estes sobrados que despertam o interesse de quem passa pela rua. Um dos mais chamativos foi inaugurado há 113 anos, já abrigando a delegacia de polícia. Com inspiração inglesa, não é que a construção continua incólume até hoje? Por fora o único sinal de modernidade é o teto. A delegacia permanece instalada lá, porém alguns anos atrás o bairro ficou sem seu posto policial por mais de um ano, por um motivo inusitado - o local foi considerado insalubre pela vigilância sanitária devido à infestação por pombos e ratos. Felizmente o problema foi sanado e os policiais puderam retornar ao casarão centenário. Aliás, esta é uma característica peculiar do Catete - muitas construções abrigam instituições estabelecidas muito tempo atrás, enquanto em outros bairros já teriam sido postas abaixo ou trocado de atividade.

Nona Delegacia de Polícia, na esquina das Ruas do Catete e Pedro Américo


         O número de casas antigas preservadas no bairro poderia ser bem maior se não aparecesse um vilão nos anos 70: as obras para escavação do túnel do metrô literalmente devastaram várias quadras do lado ímpar da rua do Catete. Houve até uma novela de Janete Clair exibida em 1977 que tratou do tema. Em Duas Vidas a vila da personagem vivida pela protagonista Betty Faria era desapropriada para o avanço do metrô. Na época um drama similar assolava também o bairro onde eu morava, a Tijuca. O metrô, inaugurado em 1981, mudaria toda a região, com duas estações no bairro -  Catete e Largo do Machado. 

Série de sobrados na Rua do Catete diante da saída do metrô. Repare na fileira de gárgulas enfeitando o teto do casarão azulejado. 


           Falando no Largo do Machado, o centro nevrálgico do bairro surgiu no lugar onde existia uma lagoa alimentada pelo Rio Catete. Este era um braço do Rio Carioca que acompanhava a rua homônima e foi responsável por nomear toda a região, significando "mata cerrada" em tupi. A lagoa seria logo aterrada e no largo se estabeleceu um açougue com um machado de madeira plantado à sua frente, daí o nome. No século XIX o largo passaria a se chamar Duque de Caxias, mas depois a denominação original acabou retornando oficialmente. O largo seria precursor em 1892, ao abrigar o ponto final da primeira linha de bondes elétricos da América do Sul. 

Largo do Machado 


            Hoje o largo é bastante agitado, com restaurantes e ambulantes espalhados na praça. A estátua em mármore de Nossa Senhora da Conceição ocupa o lugar onde estava a estátua do duque, dali remanejada para perto da Central do Brasil, O Largo do Machado termina na Igreja de Nossa Senhora da Glória. Inaugurada em 1872, a igreja levou trinta anos para ser construída desde a pedra fundamental assentada pelo recém-coroado D. Pedro II, então um adolescente. Sua arquitetura neoclássica com colunas coríntias de granito a faz se destacar no mar de igrejas barrocas do Rio, e a torna parecida com a Igreja de Saint Martin da londrina Trafalgar Square. Quem atravessa a rua e sobe os treze degraus da entrada para assistir à missa não imagina que nos primeiros tempos do templo era necessário passar por uma ponte sobre o Rio Catete, que fluía junto à porta.

Igreja de Nossa Senhora da Glória


        Uma outra construção histórica, inaugurada somente três anos após a igreja, também embeleza o Largo do Machado. Confesso que nunca tinha reparado nela, meio oculta pela arborização do lado mais tranquilo da praça. Mas agora ao passar por lá as estátuas no telhado da casa imponente e a inscrição curiosa na fachada "Ao povo o governo" me chamaram a atenção. Pesquisei e descobri que a Escola Amaro Cavalcanti data de 1875 e é uma das chamadas "oito escolas do Imperador". A vitória brasileira na Guerra do Paraguai suscitou uma campanha por uma estátua equestre grandiosa de D. Pedro II, mas o imperador no entanto declinou da honra e ao invés redirecionou os recursos para edificar grandes escolas na capital. Não é à toa que o monarca tinha a alcunha de "o Magnânimo"... Destas oito escolas imperiais, causa assombro saber que um século e meio depois cinco prédios ainda estão de pé, dos quais quatro sobrevivendo como educandários (além do Catete, estão situados na Gávea, Praça da República e São Cristóvão). 

Atualização: em outubro de 2024 a escola passou a se chamar Colégio Estadual Senor Abravanel em homenagem a Silvio Santos, falecido dois meses antes. Silvio fez um curso de contabilidade no prédio, quando este sediava uma escola técnica de comércio.

Escola Senor Abravanel no Largo do Machado (ex-Amaro Cavalcanti)


         Sem dúvida nenhuma a atração turística maior do bairro é o Palácio do Catete, hoje ocupado pelo Museu da República. Um dos maiores símbolos do fausto arquitetônico dos nobres de outrora, a mansão foi encomendada pelo Barão de Nova Friburgo, que decidiu residir no terreno. O fato incomum de o casarão ficar junto à rua e não no meio dos seus jardins imensos se deveu a um desejo da baronesa, que cansada do mato da região de Friburgo, queria ficar o mais próximo possível da "civilização".

As imponentes "águias" do Palácio do Catete.


         O barão só usufruiu da sua mansão por três anos, falecendo em 1869. Em 1896, com a crise econômica da época o Governo acabou tomando posse do palácio e o adaptou como sede do Poder Executivo da República, onde o presidente despachava (e alguns residiam). Sendo conhecido como Palácio das Águias, por conta das cinco estátuas plantadas no teto, o que fez o governo? Retirou-as, as substituindo por estátuas femininas, a central representando a própria República. As estátuas de aves retornariam por volta de 1909, permanecendo até hoje. Só que o penacho em suas  cabeças desta vez as identificaram como gaviões-reais, espécie brasileira, e não como águias. Detalhe despercebido pela população, já que todo mundo as chama de águias mesmo... 

Aleia de palmeiras dos jardins do Palácio do Catete


          A edificação, já então conhecida como Palácio do Catete, ao longo de seis décadas de atividade presidencial presenciou a morte de dois presidentes, Afonso Pena e Getúlio Vargas, este último num suícídio que comoveu o país. 

           Estabelecido logo após a transferência do governo, o Museu da República apresenta em seus três andares salões luxuosos conservados, desde a entrada com suas colunas de mármore até o ornamentado salão nobre no segundo andar, onde aconteciam as recepções. A curiosidade dos visitantes no entanto atinge mesmo o ápice no terceiro andar, com os aposentos privados da família presidencial, incluindo o quarto de dormir  onde Vargas tirou a vida com um tiro de revólver em 1954. Eventualmente até o pijama de seda listrado com monograma que vestia na noite fatídica é colocado em exposição no quarto. 

Lago dos jardins. Ao fundo, o Museu da República.


       Os bem cuidados jardins do Palácio se estendem do museu até a Praia do Flamengo e vêm da época do barão. Contam que a aleia de palmeiras hoje altíssimas que atravessa os jardins já estava lá quando o barão construiu o palácio. O projeto original foi de Auguste Glaziou, responsável também pela reforma dos parques mais importantes do Rio na época, como o Passeio Público, Campo de Santana e Quinta da Boa Vista, então sede do Palácio Imperial.

      Uma curiosidade histórica: antigamente os jardins contavam com um cais na praia para uso do presidente. Com a construção do Aterro do Flamengo e o mar sendo afastado muitos metros, o cais desapareceu. 

      Enquanto que o Museu da República continua fechado devido à pandemia, os jardins foram reabertos em maio. Os cariocas podem usufruir novamente da paisagem relaxante, com seus gramados, lago com patos, chafariz e coreto. Um ótimo programa gratuito para a família numa tarde de sol. A entrada  atual dos jardins está situada junto ao palácio, na rua do Catete. 

Edifício Seabra


          No mesmo quarteirão dos jardins vale a pena reparar num prédio situado na Praia do Flamengo. O Edifício Seabra se sobressai pelo estilo rebuscado da sua fachada, que mistura retângulos de pedra cinza com colunas e janelas brancas. Inaugurado em 1931, foi um dos primeiros prédios de alto  luxo na cidade e serviu de referência para a proliferação deste tipo de moradia na orla. A população ficou tão impressionada que deu à construção o apelido de "Dakota carioca" numa alusão ao prédio novaiorquino onde morou e morreu John Lennon. Quem o mandou construir foi um industrial português, o comendador  Gervásio Seabra (que também erigiu o Palacete Seabra, vários quarteirões adiante na rua e que hoje sedia a Casa Julieta Serpa). O estilo renascentista da fachada foi uma solicitação de sua esposa italiana. A família do comendador detinha até alguns atrás os três últimos andares, acessados por um elevador exclusivo. Acabaram sendo vendidos por uma autêntica fortuna.  

Detalhe da porta do Edifício Seabra

          Para encerrar, o Catete tem um significado especial para mim por uma razão singela. Foi ali que nasci numa manhã gelada, atípica para o mês de dezembro. Como é comum no bairro, o prédio histórico e tombado da casa de saúde continua lá, bem perto do Largo do Machado, mas lamentavelmente está abandonado após a falência do hospital, seguida de um incêndio ocorrido há seis anos. Uma pena.



 Postado por  Marcelo Schor  em 28.07.2021
Atualizado em 03.10.2024 

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