Salzburgo: como a conheci por cartões postais

 

Residentplatz em Salzburg - foto tirada em 2007

            Crianças e adolescentes podem até duvidar, mas existiu uma época em que não havia internet nem celulares. Nada de e-mail, WhatsApp e redes sociais. Para duas pessoas de países diferentes se comunicarem, restavam poucas alternativas, como cartas ou  ligações custosas por telefone fixo. 

             No início da década de 80 eu havia acabado de ingressar na universidade quando uma mania assolou os estudantes em final de adolescência, o clube de correspondência internacional  (em inglês a atividade era chamada de "pen pal club"). Uma das nossas diversões favoritas entre as aulas de Cálculo e Física era comentar sobre o que nossas correspondentes do outro lado do oceano contavam nas cartas, ansiosamente aguardadas. 

           Ideal para se conhecer pessoas de outras países, o esquema funcionava assim: você era inscrito no serviço (no caso o IYS - International Youth Service, que era tão bom que só foi extinto em 2008) por algum conhecido já filiado. Pela módica taxa de 70 centavos de dólar, preenchíamos uma ficha com nossos nome, idade, endereço e áreas de interesse, além de indicar quatro países candidatos; em cada um escolhíamos a idade e o gênero das pessoas com quem desejávamos travar contato. A ficha era enviada ao IYS e em poucos meses você recebia um nome com endereço para se corresponder. Muitas vezes alguém de outro país também recebia seu nome e um belo dia aparecia uma carta-surpresa em sua casa. 

O folheto original de inscrição no IYS (sim, guardei um exemplar!)

           Comecei então a me corresponder com uma moça austríaca da minha faixa etária, 16-17 anos. Tínhamos gostos similares e a troca das muitas cartas durou três anos. Nos meses finais eu já estava estagiando e trabalhando, sem muito tempo para escrever (e ela também) até que o contato cessou. Em termos turísticos e culturais, dei uma sorte excepcional, pois ela morava simplesmente em Salzburgo. Cada carta recebida por mim incluía um cartão postal devidamente comentado (ela daria uma ótima blogueira...). Aos poucos fui sendo apresentando aos lugares marcantes desta cidade histórica, terra natal de Mozart, que com certeza é uma das mais bonitas de toda a Europa. 

             Grande parte deste material sobreviveu guardado numa pasta, e vou apresentar aqui alguns destes cartões postais que fizeram me encantar paulatinamente com a cidade da Áustria. Passadas tantas décadas, não seria surpresa verificar que pouco se alterou na paisagem para quem for hoje visitar o centro de Salzburgo. Já não se pode dizer o mesmo do Rio de Janeiro de 40 anos atrás que apresentei nos cartões que enviava.

Cartão 1 - Vista aérea de Salzburgo

A cidade de Salzburgo, com 150.000 habitantes, se situa num vale às margens do rio Salzach, bem perto da fronteira com a alemã Baviera. Como bem mostra a foto, os Alpes também estão logo ali. Uma localização de tirar o fôlego.

2 - Panorama geral do centro

O bem conservado centro histórico de Salzburgo foi eleito Patrimônio da Humanidade pela Unesco, e a cada mês de agosto sedia o mais prestigiado festival austríaco de música e arte, o Festival de Salzburgo. Seu ápice são as apresentações de óperas de  Mozart.  

3 . Residenzplatz

A praça principal do centro histórico foi construída no lugar do antigo cemitério da catedral, e é dominada pelo Residenz, o palácio dos príncipes-arcebispos, que governaram a região por séculos. a fio desde o ano 698, .hoje transformado em museu.. À direita na foto está o Glockenspiel, a Torre do Carrilhão, que conta com 35 sinos. O carrilhão toca melodias compostas por Mozart e por seu pai às 7h04min, 11h04min e 18h04min, com horário quebrado para evitar a concorrência sonora dos sinos da catedral.  

4. Getreidegasse

A rua de pedestres mais típica de Salzburgo, paralela ao rio, é ladeada por altas residências cujas janelas vão diminuido de tamanho conforme o número do andar aumenta. Dependuradas nas fachadas estão placas em ferro forjado que um dia identificaram a guilda a que o proprietário era vinculado, indicando sua atividade. Para aumentar ainda mais sua importância histórica, na Getreidegasse se situa a casa onde nasceu Mozart (próximo cartão postal).

5/6. Casa natal de Mozart e Mozartplatz

Quando falamos em Salzburgo, dificilmente não pensamos em Mozart. Sua estátua enfeita a praça que leva seu nome, enquanto o prédio onde nasceu em 1756 se situa no número 9 da Getreidegasse. Ele viveu lá com sua família até 1773, quando se mudou para outra casa agora conhecida como "Residência de Mozart". Ambos os prédios sediam museus dedicados ao célebre compositor, que mais tarde se estabeleceu em Viena, onde morreu com apenas 35 anos. 

7. Catedral de Salzburgo

O templo junto à Residenzplatz data do século VIII, mas foi no século XVII que a catedral foi totalmente reconstruída no estilo barroco, a maior neste estilo ao norte dos Alpes. Seu domo sofreu dano considerável num bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial e sua reconstrução levou quinze anos, Cada reconstrução da catedral ao longo dos tempos ficou eternizada com seu ano gravado acima do portão de ferro de entrada.

Foi na catedral que Mozart foi batizado no dia seguinte ao seu nascimento na pia ainda existente, além de atuar lá como organista durante seus anos finais em Salzburgo.  

A catedral hoje apresenta fachada clara, tornando-a bem mais atraente que a versão fotografada no cartão postal. 

8.  Jardins do Palácio Mirabell

O Palácio Mirabell foi construído do outro lado do rio em 1606 por um príncipe-arcebispo que, tendo tido um derrame e padecendo de gota, resolveu morar longe das ruas estreitas do centro com a amante. Seis anos depois, com a morte do príncipe, a primeira providência de seu sucessor foi expulsá-la. Já os jardins em formato geométrico foram projetados décadas mais tarde e são renomados por suas estátuas da mitologia grega. Mirabell ficou conhecido a nível mundial após seus jardins servirem de locação para a cena de "Dó-Ré-Mi", a música-símbolo de A Noviça Rebelde, filmado em Salzburgo nos anos 60. 

9. Fortaleza Hohensalzburg

A imponente fortaleza no alto do morro foi construída em 1077 e lá residiam os poderosos príncipes-arcebispos, que se consideravam protegidos por suas muralhas. Com efeito, a fortaleza nunca foi capturada por tropas inimigas. Pode-se subir à fortaleza a pé ou por funicular. Além da vista da cidade e do rio. a fortaleza conta ainda com museu que apresenta sua história e dos arcebispos, além de um Museu de Marionetes, entretenimento ainda tradicional na região. Alguns aposentos podem ser visitados, com mobília original do início do século XVI, época em que a fortaleza adquiriu seu formato atual. 

Interior da fortaleza - foto tirada em 2007

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            O final da história é um tanto decepcionante. Dois anos após a última carta fiz minha primeira viagem à Europa, um mochilão com colegas do curso de extensão já experientes em estadias europeias. Quando notei que o trem onde viajávamos ent Viena e Munique passaria por Salzburgo, resolvi num impulso parar na cidade. Eles continuaram a bordo e me esperariam mais tarde numa hora combinada  na estação de Munique, já que só na chegada escolhíamos no escritório de turismo o hotel em que nos hospedávamos. Ao desembarcar em Salzburgo, descobri o telefone da minha correspondente através de um artefato hoje obsoleto, a lista telefônica. Liguei então para sua casa. Uma senhora idosa, possivelmente sua avó, atendeu e me falou em alemão que ela estava fora da cidade. Não me identifiquei, agradeci e desliguei. Desta forma nunca nos encontramos.. 

Mondsee ("Lago da Lua" em alemão), cidade próxima em cuja igreja foi filmado o casamento de "A Noviça Rebelde".

         Vim a conhecer Salzburgo para valer somente 21 anos mais tarde, como um turista normal num fim de semana chuvoso. E nessa ocasião até o Tour da Noviça Rebelde eu fiz, visitando várias locações do filme e acompanhando a cantoria de "Edelweiss" no ônibus com os demais passageiros, devidamente estimulados pelo guia. Um dos micos que nós turistas ocasionalmente enfrentamos...

⇨ E se você gosta do filme, leia o post sobre Pula, a cidade croata onde a verdadeira família Von Trapp morava antes de se mudar para Salzburgo. Afinal, o Capitão Von Trapp só poderia ter servido num porto, já que foi um dos maiores comandantes de submarinos na Primeira Guerra - afundou treze navios de nações da Tríplice Entente.

 Postado por  Marcelo Schor  em 17.05.2022