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Visita à Fortaleza de São João na Urca

 

Pão de Açúcar, Praia de Fora, Cara de Cão e Forte de São José vistos desde a Fortaleza de Santa Cruz.


         Pela sua localização estratégica junto ao Rio de Janeiro, a estreita entrada da Baía de Guanabara sempre foi motivo de preocupação para os governantes. Para guarnecê-la, desde os primórdios da colonização portuguesa foram erguidas fortificações em ambos os lados da baía com a missão de impedir ataques inimigos. 

Fortaleza de São João e o Morro Cara de Cão


          Desde que escrevi o post sobre a Urca, eu estava ansioso para conhecer uma destas fortificações, a Fortaleza de São João, cujo acesso fica no final do bairro. Com o arrefecimento da pandemia, as visitas guiadas voltaram a ocorrer e vale muito a pena. Afinal, além das instalações bem conservadas e da baita aula de História, o lugar oferece belíssimas vistas da baía e da cidade. No entanto, por razões inexplicáveis, o passeio ainda é pouco difundido entre cariocas e turistas. 

Portão Histórico datado de 1618. A ponte na época era levadiça, reforçando a segurança.


            Ocupando uma área extensa que inclui o morro Cara de Cão, a fortaleza teve suas quatro baterias (no jargão militar chamadas de redutos, todos com nomes de outros santos) erguidas no século XVI. O mais antigo reduto, São Martinho, foi construído ainda na época de Estácio de Sá em 1565, seguido de outros dois nos anos seguintes. Finalmente em 1618 o conjunto se tornou oficialmente uma unidade militar. A fortaleza cumpriu bem seu papel defensivo em vários combates contra corsários, especialmente os franceses que de tempos em tempos singraram a região até o século XVIII. 

Reduto São Martinho à frente da sede do Centro de Capacitação Física do Exército

           Naquela manhã ensolarada de sábado, com um frio atípico para maio, éramos somente seis pessoas além do soldado-guia que nos acompanhou por todo o trajeto. Iniciamos nossa visita passando pelo Centro de Capacitação Física do Exército, instalado na área, cuja escola desde 1930 forma no local profissionais militares de educação física, conhecidos informalmente como Calções Pretos. Seu grande ginásio amarelo inaugurado em 1932 pelo então presidente Getúlio Vargas inovou ao ser o primeiro coberto da América Latina. 

Monumento da Fundação do Rio de Janeiro na Praia de Fora

Os morros niteroienses ao longe emolduram a paisagem da Praia de Fora


            Logo chegamos à Praia de Fora, localizada entre o Pão de Açúcar e o morro Cara de Cão. É uma das mais bonitas e melhores praias para banho no Rio. Já faz alguns anos que o acesso é restrito a militares. Este é simplesmente o lugar onde Estácio de Sá aportou em 1565 e fundou a cidade do Rio de Janeiro, que mais tarde por motivos de segurança seria transferida para o morro do Castelo, arrasado há exatos cem anos. A praça em frente à praia tem piso que forma uma Cruz de Malta visível de aviões que sobrevoam a baía. No centro da cruz  um monumento simples destaca o episódio da fundação.

Busto do Duque de Caxias, Patrono do Exército, no Reduto São Martinho.


               Após uma visita rápida ao pátio do Reduto São Martinho, iniciamos a caminhada pela Estrada Dom Pedro II, uma via de paralelepípedos. Subindo e descendo, ela contorna o morro Cara de Cão e nos leva ao Forte de São José, o forte bem na ponta da península onde está instalado o museu da fortaleza. O trajeto de ida e volta de 2,8 quilômetros nas ladeiras leva o Exército a desaconselhar a visita a pessoas com deficiência de locomoção. Já no fim do passeio, ao terminarmos a subida da ladeira para retornarmos à entrada do complexo, não pude deixar de sorrir quando uma colega de visita reclamou de cansaço, ao que foi brindada com um comentário de um recruta postado à margem da estrada: "Imagina o nosso caso, que costumamos subir isso correndo". Realmente. 

Vista do bairro do Flamengo a partir da Estrada D. Pedro II


        A homenagem ao imperador se explica por acontecimentos ocorridos em 1863. Até esse ano a fortaleza se encontrava meio desprezada devido à ausência de inimigos externos invasores nas décadas anteriores. Porém nesse ano, após alguns incidentes causados pelo tráfico de escravos, uma esquadra inglesa aprisionou cinco navios mercantes brasileiros que se dirigiam ao porto do Rio. Diante da fúria da ultrajada população carioca, D. Pedro II encaminhou ao governo britânico um pedido formal para desculpas e indenização. Com a recusa, nosso monarca rompeu relações com a Inglaterra e decidiu recuperar e reaparelhar as fortalezas da entrada da baía temendo o pior, que acabou não acontecendo; os dois países restabeleceram relações em 1865 já com a Guerra do Paraguai em andamento. Todo este tumulto entrou para a posteridade como a Questão Christie, nome do diplomata inglês que com sua ação exagerada escalou a briga entre o Brasil e a maior potência mundial daqueles tempos a proporções inéditas. 

O Canhão Vovô com a entrada da baía e a Fortaleza de Santa Cruz ao fundo


           Depois de minutos de caminhada vislumbramos a entrada da baía, com vistas para a desativada Fortaleza da Lage, situada numa ilhota, e para a Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói  - o conjunto das três formava a defesa de artilharia cruzada do século retrasado que bloqueava eventuais invasões.                     
           Paramos para apreciar o Reduto de São Teodósio, erguido em 1572 num promontório triangular sobre o penhasco para defender a barra. Com parte da muralha original de pedra ainda conservada, sua atração principal além da vista magnífica é o Canhão Vovô, um canhão inglês Armstrong de 25 toneladas, instalado nos anos 1870. Tendo sido o maior canhão do exército brasileiro por muitos anos, com alcance de mais de quatro quilômetros, eram necessários nada menos que quinze homens e vinte minutos para prepará-lo. E sim, ele foi usado fora dos exercícios militares, como na Revolta da Armada de 1893, quando seu tiro disparado por alunos da Escola Militar atingiu o couraçado revoltoso Aquidabã direto no camarote do comandante. O navio veio a afundar treze anos depois numa explosão noturna misteriosa que o partiu ao meio em Angra dos Reis. 

O Forte de São José, com a parte superior à direita abrigando o museu.

             Finalmente alcançamos o ponto terminal da estrada e da visita à fortaleza, o Forte de São José, a alguns metros de distância do Reduto São Teodósio. Foi construído em 1872 no lugar do antigo reduto a mando de D. Pedro II (e inaugurado com a presença dele). Em pedra talhada e blocos de granito, o forte possibilitou uma defesa muito mais ampla, com uma artilharia extensa situada em ponto estratégico. Seu portão ostenta acima do pórtico placa em mármore Carrara com os dizeres em latim "Pedro II, Imperador constitucional do Brasil, defensor perpétuo no quinquagésimo aniversário da Independência". 

Portão do forte com a placa em latim


             O forte se encontrava trancado e sem iluminação, com nosso guia abrindo portas e acendendo e apagando a luz nos recintos à medida  que passávamos, denotando seu uso atual somente para a mostra aos visitantes. 

Pão de Açúcar embelezando a galeria de casamatas do Forte de São José


              O nível superior do forte sedia o Museu Histórico da Fortaleza. O recinto de teto abobadado apresenta alguns artefatos de época e painéis na parede contando em ordem cronológica a trajetória da fortificação, em paralelo aos acontecimentos que ocorriam no Brasil. Um pouco resumido para tanta informação, mas bem instrutivo. Um dos painéis contém mapa antigo da região que ajuda a entender a localização de todos os redutos que havíamos acabado de conhecer. 

Sala de exposição do museu da Fortaleza de São João

           O museu ocupa o espaço do antigo paiol de munição, planejado de forma a resistir aos ataques das armas da época. Descendo ao nível inferior, encontramos dezessete casamatas dispostas em curva envolvendo o paiol, que abrigavam quinze canhões Whitworth adquiridos por ordem de D. Pedro II. Cada casamata contém um buraco na parede espessa voltada para o mar, para que a bala disparada pudesse atingir seu alvo. Além disso cada casamata conta ainda com uma abertura pequena no teto para que a fumaça do disparo pudesse ser dissipada mais rápido. Não dá para deixar de admirar o belo trabalho de engenharia envolvido na construção. 
 
Casamatas no Forte de São José

 
Outra visão das casamatas, com a parede do antigo paiol à esquerda.

        É interessante notar (confira ampliando a foto que abre o post) que o Forte de São José se confunde com o penhasco do morro atrás, sem vegetação naquele trecho próximo à água. Será que este efeito camuflador foi proposital?

Mapa da fortaleza e da entrada da baía

Agendamento da visita: 

A visita gratuita à Fortaleza de São João é realizada de sexta a domingo às 9 ou às 14 hotras com duração de duas horas.  Requer agendamento feito pelo e-mail sitiohistorico.fsj@gmail.com a partir da segunda-feira da semana em que se deseja visitá-la. 
Em caso de chuva a visita é cancelada.
Endereço: final da Avenida João Luís Alves, na Urca.


⇨ E clique aqui para acessar o post sobre a Urca e suas outras atrações. 


 Publicado por  Marcelo Schor em 14.06.2022 

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